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terça-feira, 19 de agosto de 2025

Só Garotos de Patti Smith é um tributo poético e romântico de quem domina as palavras

 

Muito antes de se tornar uma rock star e ícone punk da contra cultura de Nova York (e porque não dizer “do mundo”?), ela já era performancer, poetiza, escritora, artista plástica, desenhista, pensadora reflexiva e Mulher. Sim! Mulher com M maiúsculo, porque a carismática Patti Smith, nascida em 1946, cedo foi obrigada pelo destino a pular sua adolescência e tornar-se adulta, mediante a vida de uma família pobre que demandava ajuda à mãe, para cuidar de casa e um casal de irmãos mais novos. Boa parte dessa experiência dolorosa e enriquecedora, seguiu-se durante décadas e a acompanha até hoje em sua terceira idade, onde ela ainda continua se apresentando profissionalmente mundo à fora, conforme pode ser constatado em “Só Garotos”, autobiografia comovente desta artista completa, humilde e questionadora. Tudo descrito na primeira pessoa, sem ajuda de ghostwritter, com proficiência de quem está segura em seu ofício.

Ao contrário do que se possa imaginar, esta obra não esta específicamente focada em sua música. Nas páginas que senguem-se numa escrita natural de quem domina muito bem as palavras, tornando a leitura prazerosa e expectante, acompanha-se primordialmente as dores, os tropeços, acertos e felicidades de alguém muito bem vivida e com gosto da formatura de seu legado. O ápice desta obra é a explícita homenagem àquele que em vida foi seu companheiro e o grande amor de sua vida, o fotógrafo e também artista plástico/performático Robert Mapplethorpe, infelizmente falecido precocemente no final do ano de 1986 pela síndrome da imuno deficiência adquirida (AIDS). Não apenas homenagem, mas também registro histórico do trabalho deste ser humano cativante e do companherismo dedica a Patti. Podemos até arriscar dizer que, se não fosse por ele, a madrinha do punk não seria quem é hoje, devido ao enorme incentivo, motivação e parceria que este dedicou à ela. Mais do que justo este tributo apresentado desde a capa do livro, pegando praticamente toda narrativa (mesmo no tempo em que ambos estiveram separados) até às fotos ilustrativas e às últimas páginas.

Evidente que ela fala de seus discos, de suas músicas, componentes da banda, ensaios e composições do primeiro e emblemático “Horses” lançado no longínquo 1975 até os esboços do que viria a ser o álbum de sua volta à atividade musical “Dream of Life”, lançado em 1988 (dois anos depois da morte de Mapplethorpe). Mas também se descreve suas poesias, suas fotos, seus desenhos, suas exposições e seu pensamento inquietante. Destaques que valem a atenção, estão em seu amor declarado à arte de Bob Dylan, sua morada (com Robert, evidentemente) temporária no famoso Chelsea Hotel, onde se envolveram ativamente com a prolífica cena cultural do entorno e a sua devoção ao movimento beatnik. Nomes como Jim Morrison, Andy Warhol, Janis Joplin, Jackson Pollock, Arthur Rimbaud, Allen Ginsberg, Jean Genet, William Burroughs, William Blake, Charles Baudelaire, Brian Jones e dezenas de outras celebridades passeiam coadjuvantemente por todo texto da brochura, tornando a composição muito bem frequentada.

Em seu leito de morte, Robert recebeu de Patti Smith a promessa, de que ela escreveria a história deles. “Só Garotos” cumpriu sua palavra e não há dúvidas de que, onde quer que ele esteja, Mapplethorpe se orgulhou do resultado final.

Editora Companhia das Letras; tradução de Alexandre Barbosa de Souza; 272 páginas; São Paulo; 2010.


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