Outro lugar que fornecia espaço para as bandas de rock local se apresentarem, com pouca estrutura, mas também sem nenhuma frescura. Foi o bar chamado curiosamente de “Pedra No Sapato”. A infame trinca “sexo, drogas e rock and roll” vigorava. Com isso, ninguém saia insatisfeito. A diversão era tamanha que o amanhecer era certo. Mesmo com as portas do bar fechado na madrugada, a devassidão continuava em seu interior de modo prive para alguns poucos sortudos que aventuravam a permanência sem compromissos.
Final da década de 80. O clima de fraternidade imperava entre os rockeiros da cena de Manaus. As drogas tinham boa qualidade e eram compartilhadas sem nenhum tipo de limitação. Ainda não vivíamos o temor da AIDS e a incômoda cultura da camisinha. Não tínhamos computadores e nem celulares. Ninguém ainda trabalhava. Apenas estudávamos e éramos todos sustentados pelos pais. Éramos felizes e não sabíamos. Nesta felicidade coletiva, conhecemos um bar que se localizava na fronteira dos bairros Ajuricaba, Campos Elísios e Redenção. Aberto por um paulistano (se não me engano o nome do “figura” era César) que estava de passagem pela cidade, o “Pedra No Sapato” ficava numa espécie de shopping center pequeno num galpão, marginalizado pela sua localização entre os bairros de periferia. Ocupava um grande espaço que cortava todo o galpão, tendo assim entrada por dois lados distintos. Como a banda Anestesia ensaiava na casa, do então baixista, Klinger A.S.M.A., bem como minha banda punk “Pústula Cerebral”, fomos atraídos pelo som hi-fi do rock. O bar abria no início da noite, justamente quando terminava o ensaio das bandas e estávamos todos sedentos por uma cerveja gelada. No começo apenas aceitávamos a trilha sonora e trocávamos poucas palavras com o proprietário do local, mas após o primeiro baseado compartilhado, tudo mudou. Começamos a interferir no som ambiente, satisfazendo o próprio dono do bar e não demorou pra surgir a idéia de colocarmos bandas ao vivo no local. Não havia palco. A estrutura de aparelhagem era posta no calçadão, após a parte interna do bar, em seguida vinha uma escadaria de concreto com uns 10 degraus e logo depois um outro calçadão onde eram postas as mesas e cadeiras. Anestesia, Pústula Cerebral, Sabotage e Anezy foram alguns nomes que tocaram no Pedra. Não havia cachê, a aparelhagem era ruim e nem sequer autorização pra música ao vivo, era pensado. Mas a diversão de todos era garantida. O banheiro era usado pra sexo e consumo de ilícitos, por ventura de modo coletivo.
Nos bairros do entorno reinava uma galera de marginais que sempre entrava em atrito com os rockeiros que freqüentavam o bar. Numa certa madrugada, eu e mais três colegas, fumávamos um baseado numa das ruas perpendiculares ao bar. Antes do término apareceu a tal galera. Irvana (única mulher presente na situação) correu em disparada por estar alucinada e pensar tratar-se de polícia. Eu, Lúcio (vulgo “Nóia”) e mais um terceiro que não recordo, ficamos. Eram quatro moleques. Também éramos moleques, a diferença era que eles estavam armados com terçados, facas e até uma enxada. Ficaram a trocar insultos conosco até que um deles se invocou comigo. Eu tinha o cabelo comprido até os ombros. O infeliz, já tinha uma rincha antiga com Ehud (na época apenas vocalista da banda Anestesia, hoje atual vocalista da Sarcásticos). O cara devia estar muito alucinado, pois me confundiu com Ehud por também ter cabelos compridos até os ombros. Mas essa era a única semelhança entre nós dois.
- Ei, vamo acertar aquele lance? – disse o desgraçado.
- Não tenho o que acertar contigo, não. – respondi a ele.
O cara insistiu:
- É tu mesmo, filho da puta!
E já foi investindo com uma enxada em minha direção. O que me salvou foi um poste de madeira. Me coloquei entre o poste e um muro, me salvando do golpe. Os demais também partiram pra cima de nós com as armas sedentas por sangue. Não tínhamos outra escapatória, senão correr. Estávamos em menor número e totalmente desarmados.
Os vadios correram atrás de nós. Quando chegamos na calçada com as mesas do bar (apenas algumas estavam ocupadas), gritei:
- Precisamos de ajuda, pessoal! – olhei pra trás e vi os caras chegando com suas armas brancas e quebrando mesas, cadeira, garrafas e tudo mais. Ao voltar-me pra frente, até os que estavam no bar, haviam corrido. Tive de fugir também. Não queria ser um mártir do underground. Alexandre (vulgo “Marabá”) assistiu toda a cena da rua encostado em seu Opala. Após promoverem a quebradeira, os imbecis foram embora. Voltamos ao local e constatamos o prejuízo. Com esse ocorrido, nunca mais haveria mais bandas ao vivo no bar.
O tempo passou e continuamos frequentando o bar. Porém, já não havia mais o glamour da música ao vivo. Não demorou muito pro dono fechar o estabelecimento e ir embora de Manaus. Com existência de apenas alguns meses o Pedra No Sapato, marcou a memória de muita gente e deixou saudades da luxúria e dos excessos que cultivamos por muitas noites em finais de semana.
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