Com uma produtividade incansável que
vem conseguindo seu devido reconhecimento, no desenvolvimento de seu legado, Ednardo Nogueira é artista gráfico
autodidata desde 1988. Atua como desenhista publicitário, tatuador e profundo
pesquisador no seu trabalho que explora lindamente a história colonial de sua
terra natal, o estado do Ceará e um pouco mais do nordeste brasileiro.
Demonstrando humildade e a segurança de quem sabe muito bem o que caminho que
está trilhando, Ednardo cedeu
gentilmente a entrevista abaixo para o blog
Orestes.
Orestes:
Há algum tempo que você vem realizando uma série chamada Contos do Siará, onde
você explora os elementos históricos do nordeste brasileiro, inclusive da época
de colonização. Como se dá o seu processo de pesquisa para a série e como tem
sido a sua aceitação?
Ednardo
Nogueira: Há
precisamente três anos que estou escrevendo e desenhando esse projeto chamado Contos do Siará, meu caro Orestes; e é
uma produção independente não comissionada por editor algum, senão pelo meu
próprio interesse em produzir alguma coisa de nossa cultura que leve nosso povo
a alguma reflexão, que eu mesmo estou sendo levado, à medida em que me dedico a
esta produção.
E a pesquisa é mais difícil do que
imaginava.
Realmente tenho visto um desinteresse
tão grande, tanto nas pessoas de conhecerem sua história como nas instituições
em fazerem essa história ser mais conhecida. Veja bem! Como por exemplo que
três documentos históricos importantíssimos: um escrito pelo padre Figueiras em 1608, outro pelo Martim Soares Moreno em 1612 e o Diário de Matias Beck de 1649. Esses
documentos, que eu imaginava que ia encontrar várias edições em qualquer
livraria foram publicados pela última vez em 1967, pelo Instituto do Ceará; e eu só tive acesso a esta edição do grande Thomás Pompeu Sobrinho, graças a um
amigo historiador, o Ernane Pereira,
que me emprestou a raridade, cujas páginas amareladas se rasgam sob ferrugem
dos grampos.
Então minha pesquisa só foi possível
graças a internet e aos amigos historiadores
que ao conhecerem meu trabalho me ajudaram suprindo material em forma de links, livros e orientações.
Eu me dediquei a ler os historiadores Raimundo Girão, Capistrano de Abreu, Gustavo
Barroso, Barão de Studart e
outros mais. De repente me vi tendo de entender a questão indígena, as questões
dos negros, então passei a conhecer e manter contato com pessoas ligadas aos
atuais movimentos, entre eles o historiador e escritor Hilário Ferreira, engajado até os dentes no movimento Consciência Negra, e o cacique Dourado.
Ednardo Nogueira na prática de sua maior paixão: o desenho |
Eu leio muito. Não só para conhecer a
história como também compreendê-la, e isso se estendendo para a história do
Brasil e de Portugal, França e Holanda.
Tendo o texto em mãos, passo a
desenhar simultaneamente, e ao desenhar, vou reinterpretando a história, e como
se trata do quadrinhos e não de um livro ilustrado, tenho que criar personagens
e situações fictícias para desenvolver prováveis diálogos. Então entra a parte
da ficção. Acho que isso exige muito de alguém que não é escritor profissional.
Infelizmente não encontro ninguém disposto a entrar nessa missão de escrever
para mim.
As pessoas aceitam muito bem e com
muita admiração o nosso Contos do Siará.
Dos primeiros capítulos que faço impressões avulsas e vendo. As pessoas
compram, lêem, gostam e depois me procuram para saber quando será publicado. Já
duas emissoras de TV vieram me
entrevistar, diretores me chamam pra oficinas de desenhos nas escolas infantis,
professores me contratam para fazer alguns desenhos pra monografias.
Recentemente fins uns desenhos para o Instituto
Maria da Penha... E assim a caravana segue firme e forte.
O.: Você sempre disponibiliza os
rascunhos de seus desenhos, mesmo antes de vários deles serem publicados. Você
nunca teve problemas devido a isso?
E.
N.: Se fosse
possível, se eu tivesse recursos e se não existisse a pirataria, eu
distribuiria Contos do Siará
gratuitamente, de pessoa pra pessoa. E as vezes faço isso, para determinadas
pessoas que eu sei que me trarão um retorno bem mais valioso, mas é um risco
vender o material avulso ou disponibilizar as páginas na internet. Entretanto,
ainda vai demorar um pouco pra publicar essa obra, e de um jeito ou de outro eu
tenho que divulgar e torná-la conhecida. Prefiro correr esse risco e, até
agora, não tive problemas com plágios, certamente porque hoje, a febre dos
super-heróis ainda está em alta. Um trabalho que se baseia na história colonial
do Brasil é uma pérola oculta.
Realmente até mesmo quando apresentei Contos do Siará, na Feira de
Empreendedores do SEBRAE, no Centro de Convenção do Ceará, os
artistas e editores gostaram da idéia e do material, mas não vi real interesse
em publicar. Muitos dizem pra mim, procurar os editais do governo e da
prefeitura, talvez quando concluir o material, eu faça isso, mas não estou
muito estimulado. Pois sempre que apresento a editoras daqui, eles falam em
outros projetos de livros para didáticos e realmente me interessa fazer um
trabalho desses. Será muito proveitoso, mas teria que ser um outro material com
textos e especialistas da área da educação e os que atuam nessa área, até agora
não me deram uma resposta concreta.
O.: Quais suas maiores influências nos
quadrinhos?
E.
N.: Eu já fui um
amante dos quadrinhos como todo desenhista iniciante, gostava muito da velha
guarda de Jonh Buscema a John Byrne, passando por Frank Miller, Garcia Lopes, Roy Thomas
e Jim Steranko. Depois os
brasileiros Mike Deodato, Roger Cruz e Joe Madureira, mas eram influências mais de admiração do que de
inspiração. O que me influenciou forte mesmo, foram os europeus, principalmente
o “pervertido” Serpiere e o ilustre Girard (Moebius). Além destes
dois o coreano Klm Jung Gi e alguns
artistas de Tex, por exemplo, o Civitelli. O meu trabalho atual segue
mais essa linha e procura evitar o sensacionalismo do tipo Marvel – DC.
Não faço heróis super poderosos com
roupas colantes e com complexos de identidade. Prefiro a ficção científica misturada com histórias. Gosto de trabalhos
independentes como o dos irmãos Fábio
Moon e Gabriel Bá. Gosto do
mineiro Marcelo Lelis ou de
adaptações dos clássicos brasileiros, mas não deixo de admirar alguns artistas
da Marvel como o Francis Manapul, e sempre que vejo os
mega filmes atuais, dos eternos heróis, tenho um ataque de nostalgia e compro
revistas antigas.
O.:
Percebe-se que você não utiliza quase nada de arte digital, valorizando assim,
as técnicas tradicionais. Quais técnicas você mais se sente a vontade em
realizar?
E.
N.: Olha, Mário. Eu
sou um amante de arte e admiro todas suas formas de expressão, mas não consigo
trabalhar, com prazer mesmo, senão com as técnicas tradicionais. Gosto do
papel, da tinta Nanquim, lápis, pincel e bico de pena. Não desprezo os meios
digitais, pelo contrário, estudo e utilizo o Photoshop, Illustrator e
mesa digital, mas não domino tão bem a ponto de trabalhar a arte por esses
meios. Faço algumas coisas como as capas, a quadrinização e o letreamento, mas não
sei artefinalizar ou colorir e nem tenho um material adequado. Ainda estou
aprendendo.
O.:
Além de quadrinhista, você também é tatuador. A tatuagem sempre esteve muito
próxima das histórias em quadrinhos. Até que ponto você converge ambos?
Divulgação do trabalho de grande destaque de Ednardo |
E.
N.: Eu sempre estou
me dedicando a alguma área do desenho. Já fiz outdoor, layouts, letreiros,
pinturas e tatuagem é só mais uma outra atuação de minha vida profissional.
Hoje como está em alta, tem sido meu atual trabalho, já que não se ganha a vida
com quadrinhos tão facilmente.
Quando comecei, há uns onze anos
atrás, os tatuadores separavam muito o desenho da tatuagem, como se isso fosse
possível. Pra mim tudo é desenho, seja no papel, na tela ou na pele. Só muda as
técnicas e ferramentas, e todo tatuador acaba investindo em cursos de desenhos,
se quiserem se destacar mesmo. Por outro lado, nem todo desenhista consegue
dominar a técnica da tatuagem que requer conhecimento e certa precisão na
aplicação da tinta na epiderme.
Eu trabalho com meu irmão, o Dereka, no estúdio dele, a Freedom of Tattoo e apesar de eu
desenhar há mais tempo, ele tatua muito melhor do que eu. Então o ponto de
convergimento entre o quadrinho e a tatuagem é o conhecimento básico de
desenho. O processo de criação é quase o mesmo, mas além da técnica
diferenciada, tem também o estilo de desenho que na tatuagem segue um padrão
sagrado que tem de ser respeitado. Criar algo novo é um grande desafio que as
vezes pode ser um sacrilégio imperdoável!
O.:
Qual tatuagem mais estranha ou engraçada já lhe foi encomendada?
E.
N.: Tem sempre alguma
coisa. A galera tem cada idéia! E a intenção com o corpo é um campo cheio para
a imaginação. Poderia citar algumas femininas bem ousadas, mas basta uma bem
engraçada. Um pitbull nas costas de
um cara, uma das pernas fica no braço, assim quando ele levanta o braço, o cão
parecia levantar a perna para mijar. Esse trampo sempre desperta espanto em quem
vê.
O.: Tanto tatuagem como quadrinhos,
exige muito tempo de dedicação para conclusão. Como você consegue conciliar o
seu tempo a ponto de efetivar ambos com perfeição?
E.
N.: Bem, os
quadrinhos eu tenho que dedicar todo tempo disponível. Já a tatuagem, é o tempo
comercial, mas nem sempre estou tatuando e aí posso fazer uma página ou duas.
Mas as vezes não consigo desenhar quadrinhos, porque tenho que criar um desenho
para tatuar alguém, e as vezes me falta inspiração para criar tatuagem, porque
estou com boas idéias para os quadrinhos. Por isso, só consigo fazer bem uma
coisa ou outra, se separar o tempo para me dedicar a uma de cada vez.
O.: Além dessas suas duas artes, há
alguma outra faceta de Ednardo que não tem tanto destaque?
E.
N.: Sempre me sinto
desafiado a conhecer alguma coisa, que simplesmente surge como uma vontade
egoísta de saber por saber. Por exemplo, tocar violão, só para conhecer a
teoria musical; aprender inglês, só para ler títulos originais; estudar
história de coisas antigas, de como surgiu isso ou aquilo; de saber como
algumas coisas funcionam, nada voltado para o trabalho, que as vezes só ocupam
meu tempo, mas que eu tenho de conhecer por conhecer. Mas até que isso me ajuda
de um jeito ou de outro.
O.: Quais seus próximos projetos, suas
metas de curto e longo prazo?
E.
N.: Meu projeto de
longo prazo é deixar completo o título Contos
do Siará, para ser editado e reeditado quantas vezes forem possível; que se
torne um trabalho permanente que não me exija mais tanto esforço de criar; que
seja algo que meus filhos possam herdar e trabalhar, dando continuidade, talvez
se estendendo para a história colonial de cada estado do Brasil e até mesmo
para a história do Brasil Império, Brasil República, mas ainda a era Vargas e a época da ditadura militar,
que pra mim é também um desafio para compreender, toda faceta que levou a estes
acontecimentos. Eu vejo como um trabalho que Bonelli fez com Tex. Uma
continuidade de histórias dentro de um arcabouço histórico. Se o tempo ou as
tragédias da vida não me permitirem ir tão longe, desejo, pelo menos em curto
prazo, deixar material e incentivo para que outros artistas brasileiros
esqueçam um pouco o mercado “lá fora” e dediquem alguma energia para a nossa
história.
Então meu projeto concreto atual é
terminar Contos do Siará, que deve
conter três volumes, este primeiro que fala da resistência indígena face a
primeira expedição de 1603, o segundo sobre a missão dos jesuítas Figueiras e padre Pinto, nas serras da Ibiapaba em 1607, e por terceiro a missão de Martim Soares Moreno em 1612, que de
fato fundou a província do Ceará e se imortalizou na obra de José de Alencar, Iracema, como o pai dos cearenses.
O.: Deixe seus contatos e um recado
para os leitores deste blog.
E.
N.: As pessoas
interessadas em conhecer e ajudar de alguma maneira neste meu trabalho de
contar a história colonial do Brasil, podem ver meu blog: www.quadrinhocearense.blogspot.com
, podem também entrar em contato pelo artecearense@gmail.com
Tenho também trabalhos de quadrinhos e
tatuagens sempre sendo postadas no Twitter,
Instagram, Pinterest, Tumblr, Wordpress, todos como @ednardonogueira
O recado eu deixo para os leitores é
que, conhecer a nossa história e expressar esse conhecimento em alguma forma de
arte é um dos melhores objetivos a ser colocado diante de nós como um meio de
dar mais importância à vida e combater a banalização da maldade e da violência,
dessa época em que vivemos.