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sexta-feira, 5 de março de 2021

Entrevista com o produtor musical Rafael Rebelo

Psicólogo de formação o pós-graduado Rafael Rebelo atua no cenário artístico amazonense, como produtor musical, desde 2009. Neste meio tempo vem produzindo diversos lançamentos dos mais variados estilos. Em fevereiro de 2021 foi ao ar a primeira apresentação ao vivo da ópera rock A Sombra de Monalisa, obra que Rafael formatou, mediante contemplação pelo prêmio Conexões Culturais – Lei Aldir Blanc, e já está em andamento a produção do álbum que conterá esta ambiciosa representação.

Abaixo uma singela entrevista que Rafael cede gentilmente para Orestes, contando um pouco de sua carreira como músico e produtor.

Orestes: Você também é musicista, mas o que lhe fez optar por trabalhar mais na parte de produção, do que atuar como músico?

Rafael Rebelo: É uma mistura de fatores. Desde a minha adolescência, eu fazia experimentos com gravações, usando aqueles aparelhos de som com dois compartimentos de fita cassete e microfone de karaokê. Ia fazendo gravações em camadas, para mim e para amigos meus. Provavelmente não era do jeito “certo”, mas na época funcionava e era divertido (risos). Sempre me interessei por timbres, sons etc., e uma coisa foi levando a outra. Aos poucos comecei a fazer bicos com gravações e acabou virando uma fonte de renda para reinvestir em equipamentos e no meu home studio.

Outro fator foi que em Manaus nunca houve muito espaço ou lugares para música autoral, e eu nunca tive interesse em ficar tocando música cover. A escassez de produtores musicais também foi uma motivação para investir na área, devido aos meus gostos mais específicos. Temos grandes produtores em Manaus, como Bruno Prestes, o Beto Montrezol e o Viktor Judah, e cada um com seu estilo próprio e formas de trabalhar.

O meu gosto... acredito que o que mais me deixa excitado, quanto a uma produção, é àquela na qual você consegue sentir o suor dos músicos, a saliva, aquela energia que estava acontecendo na hora da gravação. A sonoridade que mais mexia comigo, é mais aquela “vibe” setentista. Então meus equipamentos e técnicas refletem essa pegada retrô e vintage, que era o que eu buscava em relação à produção musical. Atualmente, tenho me interessado mais por uma sonoridade/abordagem mais moderna e contemporânea, e estou tentando experimentar com algo híbrido, entre o vintage e o moderno, e o álbum “A Sombra de Monalisa” está sendo fruto desse experimento.


O.: Quando você testemunha alguém elogiando o disco de uma banda que você produziu, sem esse alguém saber que parte das qualidades no álbum se deve ao seu trabalho, qual a sua reação?

R.R.: Creio que quase sempre o produtor musical vai ser o homem (ou mulher) por trás das cortinas. Talvez, muitos produtores prefiram isso, o anonimato (ou menor atenção). Tanto que muitos produtores são músicos. E talvez, essa menor visibilidade seja mais confortável. Geralmente o produtor musical (de estúdio) não tem que estar se preocupando com imagem, com rotina de shows etc.

Rafael Rebelo efetivando seus dons na sua
criação A Sombra de Monalisa

Então, é normal o seu trabalho não ser tão reconhecido quanto o da banda. Afinal de contas, esse é o papel do produtor musical: fazer os artistas brilharem. Por exemplo, muitas pessoas devem adorar o Nevermind (1991) do Nirvana e o Hybrid Theory (2000) do Linkin Park, e não devem saber que foi o mesmo profissional (Andy Wallace) que mixou ambos. Para o público, isso não é muito interessante. É informação mais relevante para os próprios músicos.


O.: É inegável a falta de profissionalismo nas bandas de Manaus. Quase ninguém tem empresariamento, a grande maioria precisa se manter com empregos divergentes à música, a desunião ainda vigora entre os estilos, a cidade não tem boas locações para shows, não existe um festival local e uma série de outros empecilhos que acabam retroagindo a cena local. Na sua opinião, qual seria a solução para isso?

R.R.: É uma questão bem difícil e complexa. No final dos anos 90 e começo dos anos 2000, havia algo bem interessante acontecendo na cidade, muitas bandas autorais, alguns barzinhos com show ao vivo (Macintosh), o Festival de Rock do CIEC, o Festival Fronteira Norte etc. Não dá pra saber o que aconteceu. Pode ter sido uma questão, de que realmente o rock ‘n’ rollficou para trás”, se tornou um estilo ultrapassado e isso se refletiu na cidade. Hoje em dia, dificilmente ouvimos/vemos grandes lançamentos. Não é o meu estilo favorito, mas se você for ver vídeos no YouTube de bandas como Deftones e Korn, em programas de TV entre final dos anos 90 e começo dos anos 2000, é inegável que havia algo de especial acontecendo.

Seria um ótimo estudo fazer essa análise entre os reflexos das mudanças culturais e do cenário musical mundial e seus impactos no Brasil e de forma mais específica, em Manaus. E com certeza, há também o impacto da Internet e o que hoje chamamos de distribuição digital (que antes era pirataria) da música, que mudou a forma como a música é consumida, criada, monetizada e promovida.

Sendo um pouco mais direto, um dos maiores problemas que vejo, é algo cultural da cidade (talvez do Brasil), mas sempre vejo que as pessoas valorizam mais o que é de fora. Se um músico lança um vídeo de cover (por vezes com baixa qualidade de vídeo e de áudio) e lança também um vídeo (com alta qualidade) de música autoral, muitas vezes o vídeo de cover tem mais reações. Isso também pode ser uma resistência do público de rock a conhecer coisas novas. O velho conservadorismo.

Então, para mim, a solução não virá do público e sim do artista. Como? Caprichando cada vez mais em suas produções, tentando sempre fazer algo melhor, de alto nível. É questão de fazer o público ver o valor que artistas locais teem e que eles podem oferecer algo de qualidade internacionalmente comparável.


O.: O que falta para o rock de Manaus ter a merecida visibilidade nacional?

R.R.: Acompanho a cena desde o final dos anos 90, minha adolescência, e acho que Manaus sempre teve bandas incríveis. Amo os trabalhos que gravei e penso que todos teem um grande valor. Talvez seja “bairrismo” meu, mas pra mim, bandas como Os Playmobils ou Dpeids, fazem um punk rock de qualidade nacional, ou até melhor do que o que tá acontecendo no resto do Brasil. O “Antes Que Seja Tarde” da Alado’s, é um dos melhores trabalhos que o Brasil nunca ouviu. Muitos em Manaus conhecem a Several. Pra mim, é a melhor banda nacional de rock que já existiu e até hoje escuto com gosto o “Carma”, álbum deles de 2008.

Então o que falta? Só posso teorizar, mas acho que são três grandes motivos: geografia (e suas atribuições sociais), imagem e investimento. A localização de Manaus atrapalha de várias formas, mas uma questão importante é o que chamo de “síndrome de patinho feio”. Na minha opinião, o manauara sempre dá mais valor para o que é de fora e desmerece o que é local. A imagem sempre foi importante na música (em relação ao sucesso). É só lembrar de exemplos como o Elvis Presley, que popularizou o blues por ser branco. Essa questão de imagem, nos leva para a questão de investimento. Por falta de verba, nem sempre as bandas locais conseguem ter uma imagem (apresentação) de acordo com os padrões nacionais ou mesmo internacionais. Quando falo de imagem/apresentação, falo da qualidade dos videoclipes, das fotos, das capas dos álbuns etc.

A falta de investimento, atrapalha também, por exemplo, em aquisição de equipamentos de qualidade ou os vocalistas fazerem aula de canto. E isso é importante. Já vi alguns shows fora do Brasil, e lembro de um show em específico: era uma banda de Londres, tocando em um lugar grande e famoso dos Estados Unidos e o instrumental era sofrível. Mas os vocais eram impecáveis, e todos da banda cantavam e harmonizam juntos. Acho que um dos pontos fracos da cena é este, a questão dos vocais. Mas o problema seria realmente a escassez de verba e investimento. Afinal, por que os cantores iriam fazer aulas de canto, se não há investimento na cena, a ponto de motivar o aprimoramento dos músicos?


O.: Qual foi o trabalho que, se possível, você reformularia ou mudaria algo e porque?

R.R.: Sou perfeccionista. Então, sempre estou querendo melhorar as coisas (risos). Creio que pelo tempo disponível dos músicos, orçamentos limitados e vários outros fatores, alguns dos primeiros trabalhos poderiam receber uma repaginada, mas hoje em dia, consigo apreciar mais o registro daquele momento em específico. No momento não escolheria um trabalho em particular, por estar mais focado no futuro, que é o que eu sinto, ser o aspecto da música que precise de mais atenção hoje em dia.


O.: Como a sua formação como psicólogo ajuda o seu trabalho no campo da música?

R.R.: Creio que todo produtor musical (e mesmo de outras áreas), precise ser um tipo de psicólogo. Primeiro, porque muitas vezes você está trabalhando em transformar uma ideia abstrata em algo concreto, um som. É muito comum, músicos se referirem a timbres e sons de forma abstrata e passarem anos (ou pedirem ao engenheiro de som ou produtor) para traduzir aquilo para o mundo real. Um grande exemplo é o “Brown Sound” (Som Marrom) do Eddie Van Halen.

Segundo, porque na música, você lida com várias pessoas, e cada uma com sua particularidade. Então tem que ter um jogo de cintura. É importante ter alguma noção de dinâmica de grupos, comportamento humano etc. Por exemplo, gravações são extremamente estressantes e muitas vezes os membros das bandas estão em desacordo sobre direcionamentos ou quaisquer outras coisas. Faz parte do produtor musical conseguir resolver isso, evitando o menor atrito possível. Mas vão ter atritos (risos). Muitas vezes, um músico sente dificuldade em executar uma parte em específico em uma gravação, e o produtor tem que analisar o músico (e sua técnica), a música e encontrar a melhor forma de fazer aquilo acontecer.

Terceiro, porque música é sentimento. Mas muitas vezes, músicos querem externalizar algo e não conseguem, ou não sabem bem como. Como produtor, é preciso saber como fazer a mágica acontecer. Algumas vezes apaguei as luzes para um cantor ou falei para que cantasse como se estivesse sussurrando no ouvido de alguém.


O.: Como surgiu a ideia de compor A Sombra de Monalisa?

R.R.: Inicialmente, Monalisa era uma banda e a maioria das músicas já existiam. Como a banda se desfez, as músicas ficaram “engavetadas” por anos, e o projeto surgiu para resgatar essas composições.

A ideia começou sendo desenvolvida em torno da vontade de trabalhar com vários vocalistas, buscando timbres de vozes diferentes e formas de interpretar particulares, e com inspiração em musicais como o Fantasma da Ópera e Jesus Cristo Superstar. A concepção foi sendo idealizada aos poucos.

Eu e o Norcírio Queiroz (guitarrista da Alado’s e também psicólogo), trabalhamos em cima da história e do enredo para fazer uma conexão entre as músicas. Alteramos e adaptamos muitas coisas das músicas originais e fomos otimizando cada letra e música para ficar com a “cara” de cada vocalista.

A Sombra de Monalisa é uma ópera rock. Ou seja, várias músicas interligadas por uma narrativa, consistindo de vários personagens. No caso, temos 5 personagens (ou perspectivas). Monalisa é a personagem principal, mas é retratada a partir de 4 perspectivas diferentes (O Malandro, Ele, Ela e a Sombra). A narração é feita pela Musa. Cada perspectiva da Monalisa, é interpretada por um vocalista diferente.

As perspectivas de Monalisa, foram baseadas nos arquétipos de Carl Jung, psiquiatra e psicoterapeuta suíço que fundou a psicologia analítica. Alguns dos arquétipos que aparecem são o Trickster, o Herói, Anima (lado feminino dos homens), Animus (lado masculino das mulheres), a Sombra, entre outros.

A história conta a trajetória e consequente declínio de Monalisa. Quando falamos em declínio, falamos de ir em direção à nossa Sombra, nosso lado egoísta e antissocial. É uma visão pessimista do ser humano, porém nosso objetivo é que as pessoas reflitam sobre quem elas estão sendo no mundo, como estão vivendo suas vidas e o que estão fazendo para si e para as outras pessoas.

Em relação ao enredo, optamos por não ser muito diretos, e às vezes, beiramos o abstrato. Para quem estiver acompanhando o enredo, vá imaginando e desenvolvendo a história, preenchendo as lacunas de acordo com as suas percepções e experiência de vida. Isso foi inspirado, em partes, por séries como Twin Peaks, Dark e Lost, que não respondem a todas perguntas e deixam muita coisa para a imaginação do público.

Musicalmente, o projeto apresenta uma sonoridade moderna e além do rock, passeia por vários estilos musicais do blues ao jazz e até o flamenco, mas sempre tentando manter a coesão.

Em relação ao instrumental, buscávamos uma sonoridade de rock pesado, sensual e versátil. Cada integrante do projeto foi escolhido de acordo com essa concepção e cada um dos músicos, trouxeram suas ideias e suas influências, o que enriqueceu muito mais o projeto.


O.: Com o chamado “novo real”, devido à Covid-19, como você pensa que será o padrão do show business daqui por diante?

R.R.: Penso que muito da arte será direcionada para o mundo digital. As mudanças globais e sociais mostram que é para onde tudo está caminhando, inclusive antes do Covid-19. Creio que no futuro, o foco será as apresentações/shows virtuais. Talvez, já esteja sendo. Mas isso gera um problema... se aquele show fica com registro digital disponibilizado a longo prazo, como os artistas vão conseguir se beneficiar ou sobreviver com várias apresentações? O que leva a pensar duas coisas em primeiro momento: as apresentações (ou lives) vão ser mais espaçadas e que os artistas deverão inovar entre cada apresentação.


O.: Quais suas metas para curto, médio e longo prazo?

R.R.: A curto prazo, terminar de gravar o álbum “A Sombra de Monalisa”, que foi iniciado no segundo semestre de 2020 e tem a previsão de lançamento entre julho e agosto de 2021. A médio prazo, pretendemos fazer a segunda apresentação do projeto, só que desta vez, no Teatro Amazonas. A longo prazo, desenvolver mais músicas para expandir o universo “A Sombra de Monalisa”.

A ideia é colocar músicas novas, explorando novos pontos dos personagens/perspectivas e da narrativa e experimentar novas sonoridades também. Minha meta é que seja um projeto em expansão e evolução constante e que cada apresentação seja uma experiência única e tenha elementos novos. No momento temos 9 músicas, sendo que uma não entrou na primeira apresentação por não estar finalizada ainda, mas quero chegar no número de 16 a 20 músicas pro projeto.

Não acho que haverá um segundo álbum “A Sombra de Monalisa 2”, ou algo do tipo. Tenho em mente, ir lançando singles ou EPs de músicas, que se encaixem dentro da cronologia que foi construída. É algo como uma estória que está em construção junto com o público, ou como se fossem cenas adicionais de um filme, só que feitas posteriormente. Mas não pra ser algo “filler”. Pretendemos manter nosso nível de qualidade. Seria algo como músicas que explorem o desenvolvimento e a vida do “Malandro”, antes de ele conhecer a “Musa”, ou explorar mais a visão de mundo da “Sombra”, coisas do tipo.

Tenho também algumas músicas que havia separado para um outro projeto com o Queison Alves (também vocalista em “A Sombra de Monalisa). Em algum momento dos próximos dois anos, quero trabalhar nesse projeto. Se “A Sombra de Monalisa” é fruto da minha veia “led zeppeliana” e foi pensado para ser exagerado e exótico, esse outro projeto seria algo inspirado em Beatles, Beach Boys e O Clube da Esquina, algo mais enxuto, intimista e poético.


O.: Deixe seus contatos e um recado para quem está lendo a entrevista.

R.R.: Acredito que o melhor recado que posso deixar é para que os artistas sonhem, ousem e façam grandes produções, para que a arte se torne novamente algo valioso, que leve as pessoas àquele lugar especial. E que o público esteja mais aberto ao novo e a reavaliar a ideia de que “a grama do vizinho sempre é mais verde”.

Contatos: rafaelrrebelo2@gmail.com

https://www.instagram.com/rafaelrrebelo/

https://soundcloud.com/rafaelrebelo/

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