Auto biografia artística virtual. Registros de eventos, resenhas, desenhos, crônicas, contos, poesia marginal e histórias vividas. Tudo autoral. Quando não, os créditos serão dados.

Qualquer semelhança com a realidade é verdade mesmo.

quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Fugindo das Garras do Diabo

Na entrada do século XXI eu vivia uma fase totalmente junkie. Diferente de minha atualidade “limpa”, nessa outrora maldita eu usufruía destes prazeres artificiais sem muita coerência no tocante a precaução, segurança e conseqüência. Prova disso está nas diversas vezes em que encarei a morte de frente e nas outras diversas em que me vi em situações, no mínimo, perigosas, em vários sentidos. Agora relato uma experiência que se encaixa perfeitamente como exemplo de uma dessas surreais vivências. Lógico que não lembro data exata, por motivos óbvios, mas o vivido jamais sairá de minhas memórias.
Estava dentro do carro de um grande amigo meu, com o qual sempre compartilhava vários ilícitos. Devido ao banco de passageiro estar carregado com vários aparelhos eletrônicos em vias de conserto, eu sentava-me no banco traseiro do automóvel, exatamente atrás deste amigo postado ao volante. Íamos pela avenida Brasil, em pleno bairro infame da Compensa, por volta do final da tarde, em direção a uma bocada comprar aquilo que saciaria nossas vontades, ao menos naquele dia.
Com toda fissura manifestando-se através da pressa e da euforia, levávamos o carro no limite da velocidade na via, senão mais. Pressa esta que foi freada por um carro de luxo de cor branca (não saberia identificar marca ou modelo do veículo) que “desfilava” numa morosidade que literalmente provocava um pequeno congestionamento. Por várias vezes, meu amigo motorista tentou ultrapassar o carrão na frente, mas sempre era impedido, como propositalmente pelo próprio congestionador do trânsito. Após várias dessas tentativas de ultrapassagem, finalmente que conseguimos realizar uma com sucesso. Como num ímpeto impensado de desabafo, no momento em que saíamos do paralelo com o carro de luxo, eu desci o vidro de meu lugar, postei a parte superior de meu corpo janela afora e dei um leve toque no capô do retardatário, complementando com um gesto de desprezo dirigido a seu condutor. Recolhi-me de volta para meu assento e fechei a janela na simples conclusão de que havia dado o recado que desejava. Ao pararmos no próximo semáforo vermelho, eis que o desgraçado automóvel branco emparelhou com o nosso. A janela desceu e dela surgiu a imagem de um homem visivelmente alterado com uma mão no volante e outra apontando uma arma com uma carteira de identificação com um brasão, na direção do amigo motorista. O mal encarado urso raivoso disse repetidamente em tom quase de grito:
- Encosta, porra! Encosta o carro agora...
Este meu amigo que não leva desaforos pra casa, encarou o agressor retrucando:
- Tá falando comigo? Vai te foder!
Neste momento o semáforo esverdeou e na velocidade da luz, dobramos a direita e repetimos a manobra mais três vezes, contornando o quarteirão curto em segundos e retornando para mesma avenida em que estávamos. Como nosso “caçador” tivera de realizar a primeira arrancada mudando de faixa pra realizar a direita, não conseguiu acompanhar nosso veiculo em fuga. Não o vimos mais.
Retornamos em nosso roteiro original sem falarmos nada e assim que passou a adrenalina, refletimos. Logo reconhecemos o personagem que nos proporcionou o susto. Aquele homem que nos apontou uma arma e estava completamente decidido a realizar qualquer de suas ameaças, era ninguém menos que Klinger de Araújo Costa.
Este dito cidadão quando em vida, que o inferno o tenha, foi Secretário de Segurança do Estado. Alcançou muito destaque na polêmica de ser acusado por constante prática de infração às mais elementares normas de proteção aos Direitos Humanos. Respondia vários processos na Justiça e comandava seu próprio grupo para militar, aplicando assim a truculência e o horror nas operações realizadas pela cidade ou de seus interesses particulares. Também especulavam-se as ligações deste homem com um dos grupos de extermínio que vigoravam na época. Enfim, um psicopata com poder que atuava protegido pela Lei.
Não demorou pra atinarmos o quão estivemos pertos de termos nossas integridades físicas abaladas, talvez até letalmente. No mínimo, seríamos presos. Provável de implantarem armas e drogas para usarem de argumento que éramos bandidos.
Passado alguns meses, a notícia de falecimento deste maldito pitbull hidrofóbico abundou a imprensa local. Não pude evitar uma sensação de alívio com esta atualização.
Interessante como a vida e o acaso podem nos gerar surpresas inesperadas que podem mudar tudo, ou simplesmente acabar com tudo. Cabe a cada um de nós, conseguir usar do oportunismo e da excelência de manutenção da integridade. Ajuda na sobrevivência urbana contemporânea.

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