Auto biografia artística virtual. Registros de eventos, resenhas, desenhos, crônicas, contos, poesia marginal e histórias vividas. Tudo autoral. Quando não, os créditos serão dados.

Qualquer semelhança com a realidade é verdade mesmo.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A Amazônia Canta Com Anísio Mello

Desde criança eu fui desenhista autodidata, mas tenho orgulho de dizer que fui aluno de Desenho Artístico do mestre Anísio Mello.  Olhar enigmático de expressão instigante, Anísio Thaumaturgo Soriano Mello era um multi mídia carismático.  Desenhista, artista plástico, escultor, compositor, escritor, poeta, jornalista, professor e boêmio, Anísio era membro da Academia Amazonense De Letras, foi um dos fundadores do lendário Clube Da Madrugada e chegou a participar de uma Mesa Redonda num dos Encontros do Clube Dos Quadrinheiros De Manaus, o qual ele estava sempre me perguntando a respeito.  No ano de 1976, chegou a lançar um disco de composições próprias onde canta e toca violão.  Em 2003 eu apareci em seu Liceu De Artes para solicitar autógrafo em um livro de poemas seu, dentre os vários lançados, bem como no disco.  Fiquei lisonjeado e sem palavras ao ler a dedicatória no autógrafo do livro que diz: “Ao amigo Mário Orestes Silva, inteligência viva, com admiração de Anísio Mello”.  Ao ver o vinil em ótimo estado de conservação, me questionou imediatamente: “Onde você conseguiu isto?  Nem eu tenho um exemplar deste!”.  Senti vontade de lhe presentear com meu exemplar, mas vontade maior mesmo de guardar a sete chaves, como o faço hoje com muito carinho e respeito.  É dessa raridade da música manauara que falarei agora.
Convite” abre a bolacha.  Uma balada romântica mostrando a exaltação das belezas naturais amazônicas que estarão presentes, senão em todas, mas em boa parte das canções.  “Uma Casa De Caboclo” é a segunda e narra o dia a dia do interiorano amazônida.  Típica poesia de quem nasceu no interior do Amazonas.  A terceira “Tarumã” pode parecer saudosista para os dias de hoje, mas na época de lançamento do disco, as águas desse lugar citado eram límpidas e próprias para o banho da população.  Eu mesmo quando criança, cheguei a me banhar inúmeras vezes com meus pais e irmãs naquelas corredeiras, hoje poluídas.  A mãe d’água é citada dando um ar mitológico à letra.  “Definições” é uma espécie de glossário amazônico que explica de modo bem conciso o significado de vários termos e nomes da região, sendo algumas palavras de origem indígena.  Possui uma linda melodia.  “Saudade Do Rio Mar” é outra com linda melodia e digna de mesa de bar.  Destaque para o piano que acompanha, bem como todo o arranjo.  A bela “Canção Do Juruá” fecha o lado A do disco e poderia muito bem ser gravada por um dos grandes nomes da música popular brasileira.  A que abre o lado B, “Hino Do Seringueiro” é uma marchinha que canta o orgulho do norte brasileiro, quase nacionalista.  “Baião Do Norte” é digna do título.  Um baião mesmo, com pitadas de carimbó.  A terceira “Dança De Nêgo” segue a mesma levada que, assim como a anterior, tem em sua letra características da cultura brasileira.  “Súplica De Amor” é outro baião com levadas de tango.  Também perfeita para ser cantada pela boemia em seu habitat natural.  “Saudade Outra Vez” é um bonito samba canção com letra bem curtinha que mais parece uma dupla de haikais.  A prova de que para um grande poeta, a simplicidade pode ser o seu diferencial.  “Vida De Amor” é uma linda marchinha que fecha o LP com uma letra cheia de esperança e beleza em sua poesia.
A produção é independente e poderia ter melhor acabamento na parte técnica da gravação.  O mestre também não tinha o potencial vocal de Ney Matogrosso, mas não há dúvidas quanto ao peso lírico e poético da obra.  Anísio faleceu em abril de 2010, mas seu legado é gigantesco quanto a tamanho, diversidade e significado para o Amazonas e para o Brasil.  Lembro que no ato do autógrafo, ele me revelou que uma de suas metas era digitalizar esse álbum.  Sei que esse trabalho já deve ter sido feito e tal merecimento tem de ser imediato para o registro histórico de nossa cultura.  Pois “A Amazônia Canta Com Anísio Mello” é uma pérola rara esquecida pela maioria e lembrada por poucos.
Meus olhos se encharcam de lágrimas nessas últimas palavras, não só de saudades do mestre, mas também em gratidão a lenda que me ensinou a ter naturalmente visão crítica sobre desenhos e pinturas.

Um comentário:

  1. São artigos essenciais como este que fazem deste blog especial,o que mais visito de todos os blogs desta net! Se pudesse contribuiria com milhões de reais para a campanha Não Deixe M.O. parar. Infelizmente meu parco salário de professor estadual não permite tal empreitada!

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