Em alguma parte do início da década de 1990, eu caminhava embriagado numa madrugada de final de semana cruzando a ponte que liga o bairro Nossa Senhora de Aparecida ao centro da cidade. Na época eu ainda bebia (hoje nem sequer socialmente em datas comemorativas) cerveja, vinho, cachaça, álcool de farmácia e o que mais provocasse embriaguez como bom e fiel junkie.
A meu lado o amigo Renison em estado equivalente ao meu. Voltávamos de algum show, bar ou qualquer outra devassidão notívaga dentre as dezenas que passávamos frequentemente juntos. Rotina certa dos finais de semana, a violência urbana já não nos amedrontava, fazíamos parte da marginalia e não tínhamos nada de valor, além de nossas medíocres vidas, que pudesse interessar qualquer bandido aquela altura. Como é característica do bêbado ter o seu momento (singular ou plural) de idiotice. Questionei a ele:
- Renison, tu tinha coragem de pular daqui?
Estávamos exatamente no meio da ponte e como o rio fartava suas águas devido à época do ano, estava convidativo para o cumprimento da imbecilidade.
Renison sem pestanejar falou:
- Claro!
Era a confirmação que eu precisava ouvir para deslanchar minha carga de argumentos.
- Pula nada! Tu não tem coragem, não. Não é homem o suficiente pra isso. Duvido! Quero ver!
- Rapaz, olha que eu pulo. – respondeu ele.
Continuei meu trabalho de diabinho com o tridente incentivando a desgraça, mas minha frase derradeira foi:
- Se tu pular dessa porra eu te pago uma grade de cerveja.
Não deu outra. Paramos de caminhar com Renison olhando pra um lado e outro, pegando distância para trás com o intuito de ganhar impulso pro pulo. Por um momento eu pensei que ele estivesse blefando e que não levaria a sério o que eu não estava levando a sério. Contudo ele foi categórico:
- Quer ver como eu vou pular dessa merda? – começou a correr e se atirou por cima do parapeito.
Num segundo que pareceu câmera lenta, eu soltei um gemido:
- Ei, porra! – como estava perto do parapeito me estiquei com a burra intenção de segurá-lo, mas minha mão bêbada só conseguiu segurar um pedacinho da camiseta do amigo que cumprira com a promessa suicida. O pedaço que segurei ficara em minha mão. Renison mergulhara na escuridão.
Dois segundos mais tarde eu escutei um distante barulho de mergulho em água. Olhei pra baixo e só vi uma indefinida movimentação na superfície do rio. A ponte era iluminada em sua plataforma para fluência segura do trânsito, mas abaixo dela, a escuridão dominava. Uma queda com cerca de trinta metros de altura em água poluída, escura e fria. O mais preocupante era que o coitado estava bêbado.
Imediatamente me arrependi do meu jogo de incentivo à loucura. Ainda cheguei a gritar algumas vezes para baixo:
- Renison! Como é que tu tá? Tu tá bem?
Não havia resposta, mas eu escutava movimentação na água.
Entrei em desespero e comecei a pensar:
- Puta que pariu! Me fodi! E agora? O que vou falar pra polícia? Vão pensar que eu empurrei ele. Vou ser preso. Tô fodido! Que merda!
Após alguns minutos de desorientação olhando a escuridão do vácuo abaixo da ponte e perdido nos pensamentos de conseqüências maléficas que sofreria, eu voltei a raciocinar e tomei a decisão de sair dali o mais rápido possível. Até a embriaguez ficara mais branda. Não hesitei mais e tomei o rumo da extremidade que me levaria ao centro da cidade onde me refugiaria como um rato entre o labirinto dos canos de esgotos.
Próximo da saída que eu me dirigia da ponte de uma das laterais que dava acesso ao rio, vi a figura encharcada de Renison surgir da escuridão, sacudindo sua farta cabeleira como um cão secando seus pêlos de um banho. Não demorou pra eu emparelhar-me a seu lado e continuarmos nossa caminhada pelas ruas. Fomos direto pra casa dele onde, junto com seus irmãos, nos reuníamos pra beber, fumar e escutar um depredado aparelho de som. Não trocamos uma palavra sequer durante a caminhada.
Quando chegamos na casa da “família Homicide”, todos já estavam desmaiados. Nos juntamos aos demais. Estávamos muito cansados, bêbados e precisávamos repor nossas energias para continuarmos a bebedeira horas mais tarde. Ao acordar, já preparávamos a comida coletiva ao som do velho aparelho quando nos lembramos do ocorrido na madrugada passada. Os irmãos Sula, Teco e o saudoso Raylen (que na época era um garotinho), nos olhavam com cara de incredibilidade como se estivéssemos contando uma história de outro mundo, mas era a mais pura verdade. Renison confessou depois que caíra com o corpo totalmente torto, bebera muita água suja e tinha de parar de nadar nas colunas pra tomar fôlego e poder nadar para a próxima coluna até chegar na margem. Rimos muito com a aventura, e nunca mais eu cheguei a fazer incentivo equivalente, por mais bêbado que eu ficasse.
caracas essa eu nao sabia ..mais gostei de saber so imagino o cabelo do animal.
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