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terça-feira, 6 de novembro de 2012

Orestes Entrevista Rogélio Casado



Rogélio Casado é o exemplo perfeito do ativista social.  Inquieto constante, este cidadão (beirando os sessenta anos de idade) é Graduado em Medicina, com Residência Médica em Psiquiatria, especialização em saúde mental, militante de Direitos Humanos e da luta por uma sociedade sem manicômios. Fundador de Rede de Amizade & Solidariedade às Pessoas com HIV/AIDS e da Associação Chico Inácio, filiada à Rede Nacional Inter Núcleos da Luta Antimanicomial, entidade de apoio aos direitos civis e políticos dos usuários dos serviços públicos de saúde mental de Manaus. Foi Diretor Clínico do Hospital Psiquiátrico Eduardo Ribeiro, Diretor Geral do Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Manaus, Coordenador de Saúde Mental do Estado do Amazonas e Pró-Reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da Universidade do Estado do Amazonas.  Atualmente é Coordenador Técnico do Projeto Nós & Voz, de inclusão social de pessoas com transtorno mental.  Em suas horas vagas ainda consegue tempo pra tocar gaita.  Cedeu gentilmente esta entrevista para o blog Orestes.

Orestes: Como seria possível a extinção dos manicômios?
Rogélio Casado: A extinção dos manicômios é um processo civilizatório. Assim como eles nasceram com a Revolução Francesa e foram se firmando em todos os continentes, retirando de circulação das ruas os "loucos de todos os gêneros" (expressão consagrada pelo discurso médico jurídico), a partir da II Guerra Mundial, foi iniciado o processo "de volta para casa", expressão que ganharia maior visibilidade com a construção da reforma psiquiátrica iniciada na Itália no início dos anos 1960, consagrada na Lei 180, de 1978 - lei que extinguia os hospícios italianos, e ganharia dimensão de movimento social no Brasil, com a denominação de Luta Por Uma Sociedade Sem Manicômios, cujo êxito é marcado por dois eventos importantes: a Lei de Saúde Mental, de 6 de abril de 2011, que substitui o hospício por uma rede de serviços de atenção psicossocial, e o fechamento de 50 mil leitos psiquiátricos, dos 80 mil existentes, números existentes até quase o final dos anos 1980. O fechamento dos hospícios não se deu por uma canetada, mas pela reconversão dos recursos humanos que ali trabalhavam, de modo a operar com novos conceitos e novas prática, em que a liberdade ganhou estatuto terapêutico. Um dos maiores desafios atuais é relativo à formação de novos cuidadores em saúde mental (conceito que causa espécie nas categorias profissionais que não querem abrir mão do status e das relações de poder). A maior parte do aparelho formador ainda é muito conservador.
O carismático ativista social Rogélio Casado

O.: Quais as vantagens de uma sociedade sem manicômios?
R.C.: Nos lugares onde o discurso e a prática da liberdade como instrumento terapêutico foram adotados, a mudança cultural na relação entre a sociedade e a loucura pôs abaixo alguns pilares da psiquiatria conservadora, como o controle social a ela delegada desde que a loucura foi capturada pelo discurso médico; o começo do fim da apropriação da loucura como objeto exclusivo de um saber e de uma prática especializada; o deslocamento das imagens da loucuras veiculadas pelo senso comum, que era alimentado pela construção da suposta noção científica da "doença mental"; uma nova reflexão social sobre a loucura como um dado universal da condição e da experiência humana, sem a qual o humano é mutilado em sua subjetividade; uma profunda revisão das rejeições e assimilações das concepções elaboradas pelo saber médico hegemônico, a partir das idéias e vivências leigas expressas pela loucura. Não é pouca coisa para um processo que, no Brasil tem pouco menos de 25 anos de existência.

O.: Quanto iríamos economizar sem manicômios e quais os investimentos que necessitaríamos para isso?
R.C.: O pesado modelo manicomial, que convive com a nova rede de atenção psicossocial no país (em Manaus, neste ano de 2012 inicia-se o processo de fechamento do hospício estadual), com seus 30 mil leitos, envolve uma bagatela de meio bilhão de reais. Com o fechamento do manicômio e a instalação de uma rede de serviços diários de atenção psicossocial, além da redução dos custos economizaríamos em sofrimento, estancaríamos o processo de destruição da cidadania dos loucos, e poríamos fim ao abandono do Estado sobre o futuro dos loucos em nossas cidades, mediante novas políticas de saúde mental.

O.: Dê exemplos de sucesso nesse tipo de programa.
R.C.: Dois municípios brasileiros se distinguem no novo modelo de atenção à saúde mental que privilegia ações no território onde os loucos circulam, tendo com referência a liberdade terapêutica: Belo Horizonte e Porto Alegre. Ambas criaram uma rede de serviços de atenção psicossocial para problemas mentais graves e persistentes, tanto para adultos como para crianças, incluindo aí as autistas; rede de serviços para abusadores de álcool e outras drogas; serviços residenciais para egressos dos manicômios; leitos psiquiátricos em hospitais gerais para internação de curto prazo, centros de convivência em que se oferecem programas de geração de renda, lazer e arte. As legislações em saúde mental dos seus respectivos estados são exemplos inspiradores para todo o país. Ressalte-se que essa rede ainda padece de uma questão ainda não superada no país: a falta de recursos e investimentos que atravessa todo o setor de saúde do país. Nesse sentido, os investimentos dos Estados e dos municípios só conseguem ser mais generosos, quando administrados por partidos "vermelhos", comprometidos com as causa populares.

O.: O que nossa sociedade precisa pra alcançar esse nível? 
R.C.: Entendo que a relação entre sociedade e loucura depende da cultura da época. No caso brasileiro, vale lembrar que as mudanças de mentalidade tiveram como pano de fundo o enfrentamento com a ditadura militar. Vários segmentos organizados estavam em luta pela redemocratização do país. Mesmo que a explosão de ideias tenha sido avassaladora, e mesmo diante das tentativas de contê-la pelos segmentos conservadores que dominaram parte das nossas instituições, ainda assim, o fluxo inexorável da vida e da cultura dos novos tempos dão conta de que estamos no final de um processo civilizatório. A nova civilização vem dando sinais por aí. Nenhuma sociedade que se preza pode esconder seus loucos. Não há espaço para retrocesso.

O.: Porque este assunto ainda é tratado com tanto descaso pelo poder público?
R.C.: Mesmo na aparente polaridade entre os que defendem o manicômio e os que abraçaram a causa antimanicomial, em suas franjas é que estão sendo construídas as novas relações entre a sociedade e a loucura. Os agentes mais conservadores, incrustados no poder, têem de enfrentar a onda dos novos protagonistas que criaram novas redes e fluxos para a loucura na sociedade dos dias de hoje. Nesse antagonismo, convivemos com o arcaico que não quer mudanças na cultura, e o novo que já se faz presente produzindo novas culturas.

O.: Existe vontade pública ou privada para efetivar uma sociedade sem manicômios?
R.C.: Do privado queremos distância. No público temos gestores comprometidos com os novos paradigmas em saúde mental, por um inequívoco compromisso com as demandas da sociedade civil organizada.

O.: Pra onde iriam os enfermos que não têem mais famílias?
R.C.: Está em funcionamento no país, fruto da nova política de saúde mental, o programa De Volta Para Casa. Trata-se de um programa com investimentos para aparelhar uma casa, bem como a contratação de "cuidadores em saúde mental" para ajudar na construção da rotina dos moradores.

O.: Que outras frentes sociais Rogélio Casado toma parte?
R.C.: Além dos Direitos Humanos, onde está contida a luta Por Uma Sociedade Sem Manicômios, atuo no Movimento Socioambiental.

O.: Deixe seus contatos e um recado para este blog.
R.C.: Um grande forte abraço. Endereço para contato: http://rogeliocasado.blogspot.com.br/; http://www.facebook.com/rogeliocasado;
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