Auto biografia artística virtual. Registros de eventos, resenhas, desenhos, crônicas, contos, poesia marginal e histórias vividas. Tudo autoral. Quando não, os créditos serão dados.

Qualquer semelhança com a realidade é verdade mesmo.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Pedra No Sapato

Outro lugar que fornecia espaço para as bandas de rock local se apresentarem, com pouca estrutura, mas também sem nenhuma frescura.  Foi o bar chamado curiosamente de “Pedra No Sapato”.  A infame trinca “sexo, drogas e rock and roll” vigorava.  Com isso, ninguém saia insatisfeito.  A diversão era tamanha que o amanhecer era certo.  Mesmo com as portas do bar fechado na madrugada, a devassidão continuava em seu interior de modo prive para alguns poucos sortudos que aventuravam a permanência sem compromissos.
Final da década de 80.  O clima de fraternidade imperava entre os rockeiros da cena de Manaus.  As drogas tinham boa qualidade e eram compartilhadas sem nenhum tipo de limitação.  Ainda não vivíamos o temor da AIDS e a incômoda cultura da camisinha.  Não tínhamos computadores e nem celulares.  Ninguém ainda trabalhava.  Apenas estudávamos e éramos todos sustentados pelos pais.  Éramos felizes e não sabíamos.  Nesta felicidade coletiva, conhecemos um bar que se localizava na fronteira dos bairros Ajuricaba, Campos Elísios e Redenção.  Aberto por um paulistano (se não me engano o nome do “figura” era César) que estava de passagem pela cidade, o “Pedra No Sapato” ficava numa espécie de shopping center pequeno num galpão, marginalizado pela sua localização entre os bairros de periferia.  Ocupava um grande espaço que cortava todo o galpão, tendo assim entrada por dois lados distintos.  Como a banda Anestesia ensaiava na casa, do então baixista, Klinger A.S.M.A., bem como minha banda punkPústula Cerebral”, fomos atraídos pelo som hi-fi do rock.  O bar abria no início da noite, justamente quando terminava o ensaio das bandas e estávamos todos sedentos por uma cerveja gelada.  No começo apenas aceitávamos a trilha sonora e trocávamos poucas palavras com o proprietário do local, mas após o primeiro baseado compartilhado, tudo mudou.  Começamos a interferir no som ambiente, satisfazendo o próprio dono do bar e não demorou pra surgir a idéia de colocarmos bandas ao vivo no local.  Não havia palco.  A estrutura de aparelhagem era posta no calçadão, após a parte interna do bar, em seguida vinha uma escadaria de concreto com uns 10 degraus e logo depois um outro calçadão onde eram postas as mesas e cadeiras.  Anestesia, Pústula Cerebral, Sabotage e Anezy foram alguns nomes que tocaram no Pedra.  Não havia cachê, a aparelhagem era ruim e nem sequer autorização pra música ao vivo, era pensado.  Mas a diversão de todos era garantida.  O banheiro era usado pra sexo e consumo de ilícitos, por ventura de modo coletivo.
Nos bairros do entorno reinava uma galera de marginais que sempre entrava em atrito com os rockeiros que freqüentavam o bar.  Numa certa madrugada, eu e mais três colegas, fumávamos um baseado numa das ruas perpendiculares ao bar.  Antes do término apareceu a tal galera.  Irvana (única mulher presente na situação) correu em disparada por estar alucinada e pensar tratar-se de polícia.  Eu, Lúcio (vulgo “Nóia) e mais um terceiro que não recordo, ficamos.  Eram quatro moleques.  Também éramos moleques, a diferença era que eles estavam armados com terçados, facas e até uma enxada.  Ficaram a trocar insultos conosco até que um deles se invocou comigo.  Eu tinha o cabelo comprido até os ombros.  O infeliz, já tinha uma rincha antiga com Ehud (na época apenas vocalista da banda Anestesia, hoje atual vocalista da Sarcásticos).  O cara devia estar muito alucinado, pois me confundiu com Ehud por também ter cabelos compridos até os ombros.  Mas essa era a única semelhança entre nós dois.
- Ei, vamo acertar aquele lance? – disse o desgraçado.
- Não tenho o que acertar contigo, não. – respondi a ele.
O cara insistiu:
- É tu mesmo, filho da puta!
E já foi investindo com uma enxada em minha direção.  O que me salvou foi um poste de madeira.  Me coloquei entre o poste e um muro, me salvando do golpe.  Os demais também partiram pra cima de nós com as armas sedentas por sangue.  Não tínhamos outra escapatória, senão correr.  Estávamos em menor número e totalmente desarmados.
Os vadios correram atrás de nós.  Quando chegamos na calçada com as mesas do bar (apenas algumas estavam ocupadas), gritei:
- Precisamos de ajuda, pessoal! – olhei pra trás e vi os caras chegando com suas armas brancas e quebrando mesas, cadeira, garrafas e tudo mais.  Ao voltar-me pra frente, até os que estavam no bar, haviam corrido.  Tive de fugir também.  Não queria ser um mártir do undergroundAlexandre (vulgo “Marabá) assistiu toda a cena da rua encostado em seu Opala.  Após promoverem a quebradeira, os imbecis foram embora.  Voltamos ao local e constatamos o prejuízo.  Com esse ocorrido, nunca mais haveria mais bandas ao vivo no bar.
O tempo passou e continuamos frequentando o bar.  Porém, já não havia mais o glamour da música ao vivo.  Não demorou muito pro dono fechar o estabelecimento e ir embora de Manaus.  Com existência de apenas alguns meses o Pedra No Sapato, marcou a memória de muita gente e deixou saudades da luxúria e dos excessos que cultivamos por muitas noites em finais de semana.

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