Auto biografia artística virtual. Registros de eventos, resenhas, desenhos, crônicas, contos, poesia marginal e histórias vividas. Tudo autoral. Quando não, os créditos serão dados.

Qualquer semelhança com a realidade é verdade mesmo.

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Sintoma Invisível

Estava 17 anos trabalhando em pesquisas e testes com diversos tipos de elementos químicos, insumos e fórmulas de protótipos.  Agora parece que ele finalmente conseguira.  A dose dada para o rato cobaia, apenas mais um camundongo dentre as dezenas que ele utilizou nesse tempo, havia feito o mamífero desaparecer, ao menos visualmente.  Porém, ao colocar a mão enluvada dentro da pequena caixa de vidro, pegou o animal e ergueu-o por vários segundos, mas só via a sua mão segurando algo palpável vivo, porém, totalmente transparente.  Olhou para o relógio memorizando a hora em que a droga fizera efeito.
Seu sorriso tornou-se gargalhada.  Teoricamente invisibilidade é algo simples.  Basta que não se reflita a luz que se torna invisível.  O que ninguém havia conseguido, até então, era algo que não refletisse luz.  Até a água límpida e transparente quando sai de uma torneira cria sombra e brilha refletindo a luz.  Agora ele quebrou esse paradigma.  Pensou em tudo que ia usufruir.  Prêmio Nobel da Ciência, sua foto estampada na capa da revista Time com a frase “O homem do ano”, palestra para cientistas ao redor do mundo e milhões de dólares em suas contas bancárias.
Tirou uma amostra de sangue para ver se haveria alguma mudança na composição que aparecera junto com a invisibilidade e colocou o animal de volta à caixa de vidro.  A filmadora dirigida para o recipiente gravava cada momento de todo o processo do efeito.  Voltou para suas anotações e passou a registrar os últimos dados.  Muitos testes ainda deveriam ser feitos com cobaias até se chegar a uma margem de segurança confiável para o teste em humanos.  Após as anotações, abriu uma garrafa de champanhe e brindou consigo mesmo.  Sua comemoração era solitária.  Todos pensavam que ele estudava medicamentos para o tratamento da leucemia em suas horas vagas do laboratório que trabalhava.  Depois iria descansar para retomar o trabalho.
Dois meses mais tarde já tinha a certeza que seria seguro testar a droga em humanos.  Macacos, coelhos, cães e gatos apresentavam o mesmo quadro apresentado com o rato.  Nada de anormal, nada de dor, nenhuma contra indicação.  Somente a invisibilidade vigorava num intervalo de 4 horas em cada animal testado.  Como não possuía assistentes e queria manter o segredo até garantir a patente, dominar cada etapa do processo de desenvolvimento da fórmula, até o término de seu efeito num organismo, seria ele próprio o primeiro humano a tornar-se invisível.
Estava psicologicamente pronto para o teste consigo mesmo. Tirou toda sua roupa, mantendo apenas a cueca, tirou seu relógio de pulso e seu cordão de ouro.  A filmadora ligada registrava tudo.  A dose com dois dedos no copo era a medida certa para o seu peso corporal.  Ingeriu todo o conteúdo em poucos goles.  O gosto era amargo, mas nada que provocasse ânsia.  Sentou na cadeira, voltou sua atenção para suas anotações e esperou.  Iria demorar cerca de 30 minutos para a digestão e o começo do efeito.  Estava ansioso, mas conseguia manter a atenção na leitura.  Era cientista respeitado e conhecido pela paciência e tranqüilidade.  Não seria nada perturbador e tudo estava saindo sem nenhum problema constatado.
Uns 25 minutos depois, começou a sentir sua vista embaçada.  Rapidamente percebeu que não estava mais conseguindo ler.  Ao parar a tentativa de leitura, notou que o sintoma não era somente para leitura.  Tudo estava ficando embaçado.  Virou sua cabeça para o espelho em um dos lados e ainda conseguiu enxergar o seu corpo sentado na cadeira sumindo deixando apenas sua cueca no assento como preenchida por ar como um balão.  A imagem do espelho também não era mais visível.  Nem mais o espelho.  Não sentia nada de anormal em seu corpo, mas também já não enxergava mais nada.  Não era cegueira por uma escuridão, mas sim por um clarear branqueador que lhe tirou toda a visão.  Não via absolutamente nada, mas sem nenhum outro sintoma sentido.  Apalpou vários objetos sobre a mesa, a cueca em seu corpo, seu cabelo, enfim, tudo.  Mas estava completamente cego.  Ao entender que teria de ficar naquela condição por 4 horas, soltou um grito:
- Puta que pariu!

Um comentário:

  1. Um memorável e delicioso conto, de fluidez e capacidade de prender nossa atenção até o hilariante e demolidor final. Talvez Orestes seja a reencarnação de Lovecraft em terras de índios vestidos. Esse moço vai longe.

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