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terça-feira, 14 de dezembro de 2010

A Metamorfose


Adaptações geralmente perdem qualidade na mudança de linguagem.  Mais ainda quando se trata de um clássico da literatura universal.  Raras são as exceções em que essas adaptações viram verdadeiras obras de arte e tornam-se referência naquilo que se propõe.  O caso em si é o livro “A Metamorfose” de Franz Kafka que virou graphic novel ilustrada por Peter Kuper.  Na verdade, este quadrinhista, que publicava a série “Spy Vs. Spy” na revista “Mad”, já fez outras adaptações de Kafka para os quadrinhos.  Contudo, essa foi a única (até o momento) publicada no Brasil.
Quem conhece a história sabe que se trata de um drama pesado com forte psicologia onde provoca identificação com muitas pessoas que vivem a agonia familiar (muitas mesmo).  O convívio com personalidades problemáticas, que teem de ser toleradas por fazerem parte da família; a rejeição ou discriminação familiar em conter um indivíduo componente de uma minoria, e até mesmo racismo são aspectos visíveis no enredo que mostra o personagem principal metamorfoseado, num simples amanhecer, em um inseto gigante.  Seu quarto passa a ser o seu confinamento, onde seus parentes passam a enojá-lo e procuram escondê-lo do restante do mundo.  Incrível como Kafka consegue ter sua literatura sempre atual, apesar de ter sido escrita mais de 100 anos atrás.  Num mundo que se encontra cada dia mais individualista e vemos barbáries de filhos matarem pais e vice versa, não há dúvidas de que é um escrito profético de atualização constantemente natural, dentro da morbidez humana em suas crises sociais.
Quanto à arte de Peter Kuper nesta graphic novel, é grandiosa.  Se na Mad ele conseguia o humor negro, aqui ele alcança o drama doentio psiquiátrico.  O denso contraste do preto e branco torna o conto mais sombrio, mais dramático, misterioso e incrivelmente perturbador.  A miscigenação de estilos é explícita.  Alguns quadros remetem os desenhos ao cubismo, sem deixar de ser detalhista com trabalhosas hachuras.  O texto em si já é surrealista (chamado mais comumente de “literatura fantástica”).  O expressionismo se faz presente também com o clima noturno onde muitos quadrinhos são desenhos de branco sobre o fundo preto.  Impressionante a ponto de levantar o sentimento de piedade no leitor para com Gregor Samsa.
Este é o tipo de obra que deveria ser usada como didática no ensino médio e no superior.  Na qual se abre um leque de questionamentos e reflexões do ser humano para com seu próximo, para com as minorias e para com seu parentesco.  Tanto o livro quanto esta adaptação pra quadrinhos é de rápido leitura.  Contudo, a imensidão da abordagem é gigantesca por tocar o íntimo de cada um de nós (adoro essas frases ambíguas).
Conrad Editora do BrasilSão PauloTradução de Cris SiqueiraLetras de Lilian Mitsunaga85 páginas2004.

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