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Qualquer semelhança com a realidade é verdade mesmo.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Paz Verde


O conto a seguir pode muito bem ser acusado de plágio da produção hollywoodiana “Avatar”.  Mas há uma questão.  Ele foi escrito cerca de cinco anos antes de ser lançada a super produção de James Cameron.
Dedicado a todas as pessoas que trabalham no Greenpeace e exercem a sua filosofia com dedicação e amor, em especial os voluntários, todos os nomes próprios contidos na história são referências à nomes de grandes personagens que fizeram e/ou ainda fazem parte desta organização encantadora.




O planeta Bohunt era o único habitado daquela galáxia por vida inteligente.  Sua população constava de seres assexuados herbívoros, que ainda assim praticavam fotossíntese e apesar de serem humanóides possuíam anatomia peculiar, pois eram privados de pêlos, genitálias e orelhas; tinham a pele esverdeada com as íris dos olhos brancas.  Falavam uma única língua e contudo, podiam comunicar-se telepaticamente.  Viviam em vida comutativa, sem política, classe social, fronteiras, credo ou religião.  Não possuíam escrita devido ao desenvolvimento da telepatia e também não produziam nenhuma espécie de arte.  Eram os Pegarres.  Também não usavam roupas e nenhum outro tipo de artefato.  Sua tecnologia era restrita a ferramentas rudimentares necessárias para a manutenção do fogo e construção de suas moradas em cabanas simples, confeccionadas de barro, madeira e palha, que limitavam-se ao térreo.  Com toda simplicidade eram donos de grande inteligência, dominavam o conhecimento empírico para a cura de suas enfermidades e produção de culinária.  Eram pacifistas e praticavam a comungação afetiva entre seus semelhantes e até mesmo com a fauna e com a flora que ambas, eram ricas e variadas em todo o planeta que tinha sua geografia caracterizada por um único continente que circulava o globo dividindo-o em dois oceanos.
Numa grande planície do continente, existia uma enorme falha geológica em forma de cratera com alguns quilómetros de diâmetro.  Suas bordas e paredes internas eram cobertas por densa vegetação que por si só abrigava dezenas de espécies de animais.  Sua profundidade era tão grande que não era possível enxergar o fundo.  O lugar era visitado por centenas de Pegarres todos os dias, pois lá era grande a concentração de clorofila, partícula responsável por parte da alimentação desses indivíduos que ocupavam-se de atividades lúdicas, por quase o dia todo, no entorno do lugar que era conhecido como Mármun.  Certa vez, uma expedição desceu as entranhas da grande cratera com o simples intuito de explorá-la.  Porém esses aventureiros perderam o contato telepático em certa altura da expedição e nunca mais retornaram à superfície.  Isso fez com que os nativos chegassem a conclusão de que o Mármun deveria continuar como sempre foi, inexplorado, misterioso e respeitado.
Apesar de não possuírem governo, os Pegarres levavam uma vida consensual que nas questões mais difíceis eram orientados pelo Quesine, que tratava-se de uma espécie de conselheiro para toda aquela população.  Muitos comunicavam-se de longe numa telepatia distante, somente para se aconselharem com o Quesine que após sua morte era sempre substituído pelo mais idoso Pegarre.
Certo dia, o céu de Bohunt amanheceu repleto de naves flutuantes.  Eram dezenas de espaçonaves alienígenas enormes, negras com aparência biomecânica.  Até os mais distantes, que ainda não tinham avistado as naves, já sabiam através da comunicação telepática, o que estava sucedendo.  A princípio, aquilo assustou os Pegarres que até então nunca haviam tido conhecimento de alienígenas, mas a tranquilidade natural deles preparou-os para o primeiro contato.  Depois de algum tempo uma das naves aterrissou próximo ao local onde estava o Quesine.  Abriu-se uma grande porta por onde saíram os quatro primeiros seres desconhecidos que mostraram-se mais fantásticos do que o esperado.  Eles eram quadrúpedes com duas caudas cada um.  Tinham o corpo cinzento coberto por uma rala pelugem como equinos.  Suas cabeças eram compridas com bocas pequenas e ciclopes.  Privados de orelhas, narinas e genitálias.  O que mais impressionava era o tamanho de cada um que media no mínimo sete Pegarres de altura e ficavam mais altos ainda ao postarem-se nas duas patas traseiras quando precisavam usar as dianteiras para outros fins.
Os quatro seres caminharam até o aglomerado de Pegarres.  Ao chegarem perto, um deles falou na direção do Quesine na língua nativa:
- Somos os Nortames!  Viajamos o universo a procura de um insumo para nosso combustível chamado clorofila.  Esta partícula, nos é extremamente tóxica, mas essencial para a fabricação do que necessitamos!  Após achar este astro que vocês chamam Bohunt, passamos a estudá-lo e constatamos que até mesmo o organismo de vocês é rico dessa substância!  Contudo, vocês terão de migrar para outro astro, pois precisamos extrair todo o organismo vegetal aqui existente!
Por alguns momentos os Pegarres olharam entre si, mas aos poucos, os olhares voltaram-se todos para o Quesine que respondeu:
- Se concordarmos estaremos aceitando a exploração total de nossos recursos vegetais e assim estaremos ratificando a destruição de nosso planeta!  Não existe alternativas?
- Permanecendo aqui vocês não têm chances de sobrevivência, mas viabilizaremos toda a estrutura necessária pro transporte de toda a população para um longínquo astro muito semelhante ao de vocês! – disse o Nortame.
- Se há um outro planeta, rico em clorofila, semelhante ao Bohunt, porque este não é explorado, em vez de explorarem nosso planeta? – perguntou o Quesine.
- Trata-se de um astro bem maior que o de vocês.  Lá causaríamos um impacto ambiental bem maior.  Sendo que somente os poucos recursos daqui já nos são suficientes e é mais conveniente impactar um astro pequeno a um astro grande!
Disse o Nortame que, indiferente às faculdades telepáticas dos Pegarres, pensou naquilo que seria um terror para uma população que jamais havia imaginado a guerra.  Eles captaram imagens de Nortames armados invadindo uma aldeia qualquer onde os seus habitantes eram mortos impiedosamente.  Tudo era destruído e queimado.  Cadáveres empilhados em covas coletivas e depois incinerados.  As últimas imagens mostravam as naves Nortames carregadas de recursos vegetais deixando para trás um planeta deserto, árido e sem nenhum tipo de vida.
O Quesine trocou olhares com os outros Pegarres que já sabiam que não deviam aceitar a proposta dos Nortames.  E após demorados segundos que mais pareciam horas, o líder disse:
- Sabemos que não cumprirão o prometido e não podemos permitir genocídio em nosso mundo, de modo que não poderemos deixar nosso lar, muito menos deixá-los explorar nosso meio ambiente!
O Nortame virou sua enorme cabeça para seus companheiros atrás de si, como que surpreso pela reação Pegarre e voltou-se confirmando a decisão:
- Apresentamos nossa proposta e faremos tudo que for possível para concluir nosso objetivo!  Se não colaborarem, sofrerão as consequências das atitudes drásticas que tomaremos!
- Poupe nosso planeta e nosso povo que não tem muito e sempre viveu em comunhão! – implorou o Quesine com humildade já prevendo o pior.
- Daremos a chance para refletirem sobre o melhor para vocês!  Aguardaremos até o anoitecer!  Se após o pôr-do-sol não mudarem de idéia, preparem-se para o pior! – enfatizou o Nortame que virou-se e caminhou de volta à nave de origem com seus companheiros.
Horas e horas se passaram com as naves estagnadas no céu de Bohunt.  Os Pegarres chegaram a iniciar um questionamento entre si com o intuito de encontrar uma solução para aquela situação problemática, mas não alcançaram um resultado que aparentemente iria satisfazer aqueles que pareciam estar lá para colonizar e explorar.  Eles que falavam pouco por sua natureza, agora ficaram calados evidenciando suas certezas que retratavam melancolicamente seus medos.  Medos estes que jamais haviam sido manifestados por um povo que não tinha conhecimento nenhum de auto defesa, pois desconhecia também o ataque, a agressão física e o latrocínio.
Nenhum chegou a cogitar a possibilidade de fuga porque não eram carnívoros, logo, não conheciam emboscadas e estratégias de caça que vivia-se normalmente na relação entre presa e predador.
O céu escureceu e as estrelas que apareceram não refletiam mais o brilho da benevolência daqueles que agora experimentavam pela primeira vez o temor de uma surpresa aterrorizante.
Repentemente as naves que encontravam-se espalhadas pelos céus de Bohunt começaram a pousar.  Delas saíram Nortames armados que postavam-se em suas patas traseiras para poderem empunhar suas armas com as dianteiras.  Isso deixavam-os maiores do que eram causando mais pavor ao povo Pegarre.  As armas eram compridas com aparência biomecânica e encaixavam em uma das patas enquanto a outra acionava o gatilho.
Sem aparentemente nenhum motivo o primeiro Nortame disparou um tiro contra o mais próximo Pegarre.  Após um forte ruído, o disparo saiu como um raio negro que acertando a vítima em cheio abriu-lhe em enorme buraco em seu tórax.  Assim que o corpo caiu sem vida no chão, os demais admiraram perplexos a cena de violência e puseram-se a fugir logo que soou o segundo disparo.  Agora o povo já atinava para a fuga apavorada que foi primeiramente canalizada para as moradias dos coitados.  Mas ao perceberem que ali eram alvos fáceis, procuraram abrigo embrenhando-se na mata e escondendo-se em qualquer cavidade que oferecesse alguma segurança.  Não demorou muito para os agressores começarem a adentrar-se nas matas em busca de mais alvos.  Atiravam em qualquer um sem poupar crianças e idosos.  Pouco a pouco ia aumentando o número de corpos Pegarres espalhados pelo chão que manchava-se progressivamente com o sangue verde claro das vítimas indefesas.  Colocou-se fogo nas moradias e os que escondiam-se longe enxergavam amargurados as nuvens de fumaça que denunciavam a barbaridade.
O Quesine que era protegido em uma distante caverna já ponderava a possibilidade de trégua através da rendição, mas tinha certeza de que isso seria a condenação à morte de todo seu povo.  Foi quando lembrou-se de que o Nortame havia dito em seu contato que a clorofila lhes é extremamente tóxica.  Em sua mente surgiu uma idéia que parecia ser a única salvação de sua espécie.  A reação.  Mas como reagir sem armas e sem nenhuma experiência de combate?  Assim que obteve essa resposta, o Quesine passou imediatamente a idéia para os demais, que surpresos resolveram acatar a proposta e colocá-la em prática mesmo que isso significasse o sacrifício de alguns.
As armas Nortames eram eficazes, mas a eficiência era precedida por um pequeno detalhe.  O intervalo entre os disparos necessitava de alguns segundos para a arma concentrar energia suficiente para um novo disparo.  Segundos estes que eram suficientes para uma suposta vítima aproximar-se de seu agressor e realizar a reação.
Em uma clareira na selva, dois Nortames atiravam com um vigor doentio em um grupo numeroso de nativos espantados que fugiam para o interior da mata quando, instantaneamente aqueles que eram os alvos pararam sua fuga e entreolharam-se com hesitação.  Mas a hesitação acabou quando mais uma vítima caiu morta ao solo.  O Nortame autor do feito preparava-se para outro disparo quando percebeu algo que não esperava.  Os Pegarres agora estavam agarrando-se em suas patas, subindo uns por cima dos outros e começavam a escalar o corpo Nortame.  O agressor a princípio ficou perplexo com a reação inesperada, porém ao perceber que sua arma já estava pronta para outro desfecho, atirou para baixo em um daqueles que subiam em seu corpo.  A cabeça do indivíduo foi esfacelada e seu corpo sem vida obedeceu a lei gravitacional sem desestimular os outros que já alcançavam o dorso do Nortame.  Antes que a arma estivesse pronta novamente, aquilo que em pouco tempo atrás era um soberano invasor, agora havia se transformado em um monte disforme de Pegarres sobrepostos uns sobre os outros que movia-se sem uma direção definida.
O estrondo de um disparo soou atirando longe o cadáver do Pegarre que estava agarrado na boca do cano da arma Nortame.  O quadrúpede, evidentemente atirou nas cegas devido a ausência de visão e de movimentos lógicos que o monte de nativos causava ao cobrir aquele que agora estava na condição de vítima.  O segundo Nortame podia ter ajudado seu companheiro mas seu estado já não era diferente do outro.  Quando o primeiro foi ao chão, esmagou os Pegarres que estavam entre seu corpo e o solo.  Mas grande foi a euforia dos Pegarres restantes ao notarem que o invasor jazia com uma espuma branca saindo de sua boca.
Os Pegarres eram um povo livre, gozavam de uma vida próspera e sua natureza não comportava a violência, o rancor e o ódio.  Por um momento, viram-se na inédita situação de explorados onde a humilhação atuava para aqueles que sobreviviam ao genocídio.  Suas dignidade e prosperidade ameaçadas, agora emergiam novamente com a também inédita sensação de vingança que crescia dentro de cada um ao dividirem a informação do sucesso da reação.
Qualquer aldeia Pegarre tinha um grupo de Nortames armados que caçavam impiedosamente seus nativos.  Desde então, esses Nortames ficaram atónitos com aquilo que era inesperado.  Todos os Pegarres não demonstravam mais medo e insegurança ao saírem de seus esconderijos e partirem, literalmente para cima, de todos os invasores.  Euforia com uma determinação inquestionável era a nova ordem seguida a risca por todos os humanóides esverdeados.
Os Nortames eram maiores fisicamente, consequentemente mais fortes, e estavam armados, porém eram mais lentos; inclusive, suas armas também eram lentas.  E o que mais contava em desfavor deles, era o contigente.  Enquanto estes eram apenas algumas dezenas por nave, os Pegarres somavam centenas por aldeias e agiam como se fossem formigas cobrindo por completo os corpos dos invasores de seus formigueiros.  Com toda a agressividade do contra ataque, não se via violência maior por parte dos reagentes.  Muitos chegavam a despejar seus excrementos e outros dejetos fisiológicos nos quadrúpedes, mas isso era puro impulso compulsivo como forma de repúdio instintivo exercido naturalmente.  Esses produtos fisiológicos, assim como o suor, eram riquíssimos em clorofila e agiam como poderosas toxinas, em contato com as partes mais vulneráveis do físico Nortame, o que tornava a reação mais letal ainda.
Pela primeira vez, esses invasores que a princípio viram seus objetivos caminharem ao fechamento com determinado sucesso, concluíram que deviam aplicar a retirada.  Todos os batedores estavam sendo dominados e mortos um a um.  Alguns que perceberam a reviravolta do acontecimento, conseguiram retirar-se antes de tombarem como os outros.
As grandes naves invasoras que estavam aterrissadas, recolhiam os batedores sobreviventes que postavam-se em fuga e decolavam.  Uma delas esperava um de seus cruéis tripulantes embarcar, mas ele foi dominado, e antes que a nave fechasse sua porta de entrada, alguns Pegarres conseguiram penetrar em seu interior para evidentemente morrerem corajosamente.  O fechar da porta ainda esmagou um Pegarre que não conseguiu entrar a tempo e ficou com a metade de seu corpo para fora.
Como já sabiam da estratégia de vingança adotada que mudara o rumo da situação, todas as gigantescas naves decolaram e postaram-se estáticas a uma segura distância do solo.  Assim permaneceram enquanto os Pegarres cuidavam de seus feridos, mortos e avarias nas aldeias.  Era um momento de muita dor a um povo que nunca precisou enterrar mortos por assassinatos e quando isso aconteceu, deu-se em um grande número.  Centenas e centenas choravam suas desgraças e a de seus mais próximos que quando enterrados, eram feitos como mártires.  Nada parecia consolar as vítimas daquele genocídio que sofriam mais ainda ao olharem, mesmo que por um instante, qualquer uma daquelas naves pairadas sobre eles como a ponderar os fatos.
Longe das planícies; uma íngreme montanha abrigava uma caverna com uma enorme galeria iluminada por falhas em sua cobertura que liberavam luz solar.  Musgos e fungos cobriam as paredes.  A parte superior era coberta por ameaçadoras estalactites de diversos tamanhos e espessuras como se estivessem prontas para cair a qualquer momento, entre uma e outra postavam-se teias de aracnídeos e insetos diversos.  O solo irregular estava coberto de fezes, musgos e vários insetos que quando não encontravam-se mortos em estado de decomposição ou com suas carcaças secas, estavam trafegando de um lado a outro cumprindo suas rotinas animais.  Numa olhadela superficial, ali parecia desabitado de qualquer vida animal e vegetal.  Na verdade abundava de uma biodiversidade única daquele lugar e de outros semelhantes em Bohunt.
Contudo, no momento a galeria estava repleta de outros seres.  Pegarres haviam capturado um Nortame que agonizava seus últimos momentos de vida que eram dragados pelo contato direto e constante que teve com os esverdeados que tanto lhe eram nocivos e haviam lhe enclausurado lá.  O prisioneiro estava caído no centro de uma grande roda formada por dezenas de Pegarres que certamente cobririam o corpo quadrúpede levando-o ao falecimento se assim o desejassem.  Logo, o prisioneiro entendeu o motivo de deixarem-no vivo.
Dentre os Pegarres surge o Quesine que aproxima-se calmamente e pergunta:
-        Vivemos em Bohunt há muito tempo sem nunca ter incomodado qualquer das espécies que divide esse astro conosco!  Estávamos dispostos a ajudá-los em suas necessidades, porém, vocês nos trataram de maneira horrenda como jamais havíamos experimentado antes!  Porque vocês estão fazendo essa maldade conosco?
O Nortame sabia que estava falecendo, e como se sentisse um misto de remorso e culpa, optou por falar a verdade sem mais nada esconder para aqueles lesados.
- O que dissemos em nosso primeiro contato é verdadeiro!  Viemos aqui com o único objetivo de captar clorofila para nossas reservas!  Bohunt é o único astro rico desta substância num raio de milhões de anos-luz!  Sabemos da existência de Mármun e vamos explorá-lo em muito breve com o nosso extrator magnético de substâncias!  Sabíamos que não iriam aceitar nossa proposta inicial e já estávamos preparados para a prática da repressão!  O que não contávamos era com a resistência corpo a corpo de vocês que acabou por nos mostrar o quão tóxicos seus corpos podem nos ser!
- Além de toda a vegetação de nosso planeta, ainda irão explorar Mármun? – perguntou o Quesine.
- Sim!  E agora que sabemos que seus corpos também são ricos em clorofila, estamos dispostos a capturá-los vivos ou mortos! – respondeu a besta que deu um suspiro agonizante e morreu.
Todos os Pegarres presentes ficaram perplexos apenas trocando olhares confusos de parecer medonho.
As aldeias voltaram a ser povoadas.  Temerosos com as naves ainda paradas no céu, mas confiantes no então descoberto poder de combate em conjunto, pouco a pouco os Pegarres tiravam seus filhotes dos esconderijos e analisavam suas situações.  As condições não eram fáceis.  Muito havia sido destruído e muitos haviam sido mortos.  A angústia daqueles que haviam perdido seus mais próximos misturava-se com a vontade de vingança, sentida na reação que desencadeou na reviravolta, e com a incerteza daquilo que certamente iria acontecer a qualquer momento.  Por isso, ninguém estava sentido-se totalmente seguro.
Muito tempo passou-se sem que nada acontecesse, até que finalmente as naves começaram a mover-se em uma única direção reta.  Aqueles que viam as naves sumirem no horizonte, alegravam-se em saber que elas afastavam-se causando tranquilidade.  Alguns chegavam a ficar eufóricos frente a nova sensação de liberdade.
Se era admirável o recuo das naves Nortames, essa admiração não durou muito.  Logo os Pegarres perceberam que elas dirigiam-se para um único local, o Mármun.  Todas estavam aglomerando-se bem acima do centro daquela gigantesca cratera.  Os Pegarres do entorno ficavam observando com curiosidade o acontecimento singular que a cada momento tornava-se mais espetacular.  Assim que todas as naves reuniram-se, começaram a encostar-se uma nas outras e a encaixarem-se como peças de um enorme quebra-cabeça produzindo um barulho metálico a cada encaixe.  Algumas viravam de direção para encontrar a posição certa para o encaixe perfeito esperado.  O que antes eram várias naves independentes, aos poucos tornava-se uma única e colossal estrutura flutuadora.
Os Pegarres que observavam o sucedido ficaram estupefatos com o que viram e medonhos com a possibilidade de uma tragédia maior do que a já acontecida.
Após permanecer um bom tempo pairada sobre Mármun, a enorme espaçonave começou a descer para seu interior.  Vagarosamente e sem nenhum tipo de ruído ela ia baixando numa perfeita reta vertical bem ao meio da quilométrica falha geológica.  Mais Pegarres chegavam a sua borda para acompanharem aquilo que parecia um espetáculo de hipnose coletiva.  Cada metro de descida era acompanhado pelos olhares curiosos que viram a gigantesca nave diminuindo de tamanho conforme ia descendo pelo desfiladeiro.  A descida deu-se numa profundidade tamanha que a colossal estrutura tornou-se um pontinho insignificante que sumiu na escuridão do desconhecido.
Os Pegarres entreolharam-se e ficaram aguardando o próximo acontecimento.  Aguardaram por  muito tempo e nada sucedia.  Alguns chegaram a cogitar a devastação da flora, no fundo de Mármun, em dimensões proporcionais da nave com aquilo que seria o seu extrator magnético de substâncias.  Temiam que após a exploração no subsolo, tal barbárie passasse para a superfície.
De repente o solo começou a tremer.  Os Pegarres ficaram assustados e a mercê do leve tremer que chacoalhava seus corpos e tudo mais.  Sem nenhum motivo aparente, começou a brotar do interior de Mármun uma neblina esverdeada.  Rapidamente o leve tremor transformou-se num forte terremoto que não estava causando nenhum grande dano, mas levava ao chão todos os nativos que não conseguiam mais equilibrar-se em pé.  A neblina esverdeada tornou-se uma densa coluna de fumaça de um verde escuro que em poucos instantes elevou-se a altura inimaginável no céu.  O tremor estava sendo sentido por todo o planeta.  A densa fumaça esverdeada saía em tal quantidade que acabou por tomar todo o céu de Bohunt.  Até mesmo no oposto do globo o céu se esverdeou.  Depois de muito tempo de intensos espasmos o terremoto foi se esvaindo até findar-se por completo.  Nenhuma fissura abriu-se no solo.  Ao olhar para dentro do Mármun, os Pegarres não conseguiam distinguir nenhuma diferença de antes.  Porém, algo estava mudado.  O céu de todo o planeta Bohunt, que antes era azulado, agora apresentava uma coloração verde.  Se aquele povo possuísse tecnologia para medir o nível de clorofila no ar, certamente iria registrar um crescimento significativo na concentração.  Aquilo permaneceu como uma nova constante para a natureza Bohunt e indiferente do conhecimento de seus nativos, agia como uma nova camada protetora daquele globo e cintilava pelo céu verde como uma aurora boreal estendida de um horizonte a outro.
Os dias se passaram.  As estações se passaram e nada mais saiu de Mármun.  Nenhum sinal da nave alienígena ou de qualquer outra característica Nortame veio à tona.  Aqueles humanóides esverdeados ficaram a se perguntar o que houve com os quadrúpedes.  Na verdade, eles jamais teriam essa resposta.  Nem o Quesine com todo seu conhecimento acumulado de gerações inteiras sabia explicar o que passou-se dentro de Mármun naquele dia que desde então passou a ser chamado pelos Pegarres como o dia Emílp.  Mas o que eles mais questionavam era o porque de existir aquele tipo de atitude dos invasores.  Para a exploração de um povo e de seus bens naturais seria mesmo necessário que aquilo se desse de maneira totalmente irracional?  Não seria possível o alcance da tecnologia avançada com a efetividade de uma exploração de recursos manejada com sustentabilidade?  E quanto à força bruta?  Será que sempre existirá exploração do mais forte sobre o mais fraco?  Não seria possível que tais questões se resolvessem de maneira diplomática onde jamais seria preciso a força física?  Essas questões passaram a ser discutidas pelos Pegarres e tudo passou a ser narrado para as gerações seguintes, assim como a narração de como o céu de Bohunt tornara-se verde e como o povo Pegarre descobriu a enorme força do trabalho de reação em conjunto no dia Emílp.  Não demorou para os Pegarres voltarem à suas rotinas passivas de antes.  Deste modo, eles nunca mais foram incomodados novamente por qualquer raça alheia.  Contudo, a sapiência daquele povo agora estava respaldada pela cólera contra injustiças que lhes ensinara a lutarem juntos pela terra e pela paz que lhes era de direito, a paz verde.

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