Auto biografia artística virtual. Registros de eventos, resenhas, desenhos, crônicas, contos, poesia marginal e histórias vividas. Tudo autoral. Quando não, os créditos serão dados.

Qualquer semelhança com a realidade é verdade mesmo.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Orestes Entrevista a Banda Chá de Flores

Com sua formação datada na segunda metade dos anos 90, a banda Chá de Flores conseguiu permanecer em atividade, mesmo tendo constantes mudanças em sua formação e sofrendo todos os tipos de dificuldades que um grupo de rockeiros manauaras enfrenta.  Mantendo suas letras na língua portuguesa e com claras influências do rock nacional da década de 80 e do grunge americano, a Chá de Flores vem firmando seu legado na história do rock local.  Abaixo segue uma entrevista exclusiva com o vocalista Bosco Leão, cedida gentilmente para o blog Orestes.

Orestes: A Chá de Flores já teve várias formações.  Até que ponto isso influenciou na identidade musical do grupo?
Bosco Leão: Bem pouco, porque eu sempre fui o principal compositor, mas eu nunca impus regras, muito pelo contrário, absorvi as qualidades de quem estava no momento de fazer um trabalho novo. Quem tem pelo menos nossos últimos CDs percebe isso.
O.: A banda já tem dois CDs oficiais lançados, já participou de coletâneas, já teve músicas executadas em rádio e já tocou fora do Estado do Amazonas.  Como anda a popularidade das músicas atualmente?  Ainda há um retorno do público?
B.L.: Como a gente teve uma parada de dois anos, algumas pessoas não sabem que voltamos, mesmo porque nós não divulgamos mais como antes e fazemos poucos shows. Mas agora depois desses últimos 2 anos, tem gente que ainda me liga, inclusive fora de Manaus, pra saber do próximo CD que vamos lançar. É gratificante.
O.: Manaus tem bandas com qualidade internacional que não deixam muito a desejar a grandes nomes do rock.  Na sua opinião, o que falta pro rock local alcançar o sucesso merecido?
Chá de Flores com Bosco Leão (segundo da direita pra esquerda)
B.L.: Pois é. O mercado fonográfico mudou muito pela inevitável velocidade da internet, por exemplo. Embora Manaus ainda não tenha uma cultura de mercado fonográfico, porque querendo ou não, tudo é "dinheiro". É a vida. Falta alguém de coragem daqui, para investir nessas bandas, o que é muito difícil, porque condições tecnológicas e dinheiro tem. Mas a cultura da cidade ainda é verde.
O.: Existe um projeto “autovideográfico” da Chá de Flores.  Como anda esse projeto?
B.L.: Existe. Estou montando um documentário pra contar esses 15 anos de banda.
O.: Um dia você falou que a Chá de Flores ainda lançaria um disco em vinil.  Isso ainda acontecerá mesmo?  Quando e como será?
B.L.: Esse é um projeto que vai acontecer. Não sei quando. Depois que fiz o filme "O Rock que o Brasil Não Viu...", aprendi a saber esperar e acreditar mais nos meus projetos. Então, isso vai acontecer.  Pode esperar.
O.: O rock manauara teve um certo auge nos anos 2000.  Na sua opinião, porque nesta nova década houve uma decaída no quantitativo de produções em festivais, discos e shows?
B.L.: Olha, em termos de Festivais tem melhorado muito. Eu tenho visto de perto. Mas, cada década tem sua história e vejo algumas bandas novas mandando ver. Aquele auge de 2000 era uma época que ainda tinha um mercado forte, mas próximo do fim, se o mercado muda, acaba indiretamente influenciando um novo comportamento. Entendo então como esta, toda banda tem seus compromissos e  agem conforme a musica.
O.: Você tem uma grande proximidade com outras bandas como Espantalho, Zona Tribal, Olhos Imaculados, Underflow etc.  No que isso fluiu mutuamente e no que mais fluirá?
B.L.: Pra mim sempre. Vi que cada banda tem suas particularidades e agem conforme seu ego. Nunca vi ninguém copiando ninguém, o que vi é que cada um faz questão de deixar sua marca, o que é bom, porque cada banda, "egoisticamente" ou não isso fez a coisa crescer e mostrar a personalidade. A música sai ganhando.
O.: O que você destacaria do atual cenário musical local?
B.L.: Voltou com mais garra. Talvez seja meio perigoso eu falar isso, mas senti que devido o grande sucesso que  "O Rock que o Brasil Não Viu..." fez, deu uma certa energia pras bandas antigas que ainda estão tocando e pras bandas novas que reconhecem nossa garra. Eu destacaria esses Festivais de bandas novas com musicas próprias.
O.: Quais as próximas metas da Chá de Flores?
B.L.: Por enquanto, ganhar o "Breackout" da Sony (Eh! Eh! Eh!) e lançar o novo CD que estamos fazendo.
O.: Deixe os contatos da banda e um recado para os leitores deste blog.
B.L.: chadeflores@hotmail.com, 9125-5273, Sucessos a todos que fazem seus trabalhos com dedicação, não só musical, mas qualquer trabalho honesto. Thanks for all!

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

A Música Mortal



Nos longínquos anos cinquenta
Uma paixão se apoquenta
Entre filha do Ministro regente
E um boêmio jazzista decadente
O Ministro indignado
Castra o músico coitado
Num ato de dissídio
A filha comete suicídio
Desgostoso, o artista promete
Escrever uma canção peste
Uma vez partitura escrita
Iniciou-se praga maldita
Com tampões no ouvido
O jazzista tocou arrefecido
Já sabia que o som matava
Qualquer um que o escutava
Seguiu-se fúnebre turnê
De concertos sempre prive
Onde o único que sobrevivia
Era o músico anuvia
Os anos se passaram
E as mortes intrigaram
Quando alguém investigava
A trágica canção escutava
Logo, ninguém descobria
O que o homem fazia
Após a morte do músico
Sobrou legado físico
Nenhuma apresentação gravada
Mas a partitura foi encontrada
Assim que começaram a tocar
A canção voltou a matar
Conta esta antiga lenda
Que ainda toca a música horrenda
Em concertos isolados
Só sobram os finados.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Senhores de Um Mundo Paralelo



Cerca de vinte internos postavam-se vegetativos em sua sala de estar.  Nada a fazer, senão deixar transcorrer o tempo, tomar os remédios que os enfermeiros trazem, comer, cagar, dormir, até a hora de morrer.  Dificilmente algum recebia visita de familiares.  Outros nem tinham familiares.  Alguns encontravam-se sentados em poltronas, cadeiras e uns poucos, no chão mesmo.  Uns outros vagavam pelo espaço amplo, sem nenhum sentido exato de direção.  Um brincava de fazer labirinto, com as próprias mãos, com uma barata tonta numa parede e dois estavam hipnotizados pelo aparelho de televisão suspenso próximo à altura do teto, sintonizado num canal que transmitia uma repetida novela vespertina.
A porta dupla principal se abriu com Bronu e Armando sendo trazidos por dois enfermeiros.  Foram jogados violentamente no chão do meio da sala e lá permaneceram caídos, totalmente dopados pelos tranquilizantes.  Armando teve uma das lentes dos óculos rachada com a queda e Bronu babava com a boca aberta e os olhos catatônicos.  Logo em seguida Tarlos entrou sozinho, cabisbaixo, calado, com cara de choro, sentando-se no chão, encostando suas costas num canto de parede.
Um dos enfermeiros tirou um pequeno recipiente de álcool em gel de um bolso da bata, derramou um pouco do conteúdo em uma de suas mãos e ofereceu o vidro ao colega:
- Tá afim, Sid?  É sempre bom esterilizar as mãos depois de pegar nesses lixos.  Não sabemos o que podemos contrair deles.
O segundo aceitou a oferta repetindo o ritual de limpeza das mãos dizendo:
- Tem razão Rafa.  Esses imundos só servem mesmo como objeto pra lavagem de dinheiro. – ambos sorriram sarcasticamente terminando de esterilizar as mãos.
Rafa olhando os internos disse em tom baixo para Sid:
- Cara, aquela novata ali é um tesão, né?
Sid olhou para a garota citada e revidou em seguida:
- Vamos ver quem come ela primeiro?
Começou uma discussão em voz baixa:
- Eu é quem consigo fácil.  Basta eu dizer que ela vai pra ação, que vai viajar pra outro estado etc.  Consigo rapidinho.
- Eu falo pra ela da tua namorada.
- E eu provo que tu é casado com filha recente.
- Eu coloco um monte de maconha na mente dela e ainda levo ela pra tudo que é balada top.
- Eu levo ela pra passear de barco.
- Tá bom.  Vamos ver com o passar do tempo, quem consegue primeiro.
- Beleza, feito! – finalizou Sid trocando um cumprimento de mão fechada com Rafa.
Ambos se retiraram do recinto, deixando os internos trancados na grande sala de estar.
Tarlos choramingava baixinho, sentado no chão num canto da sala.  Frustrado por saber de sua incompetência como líder, de ver que suas atividades planejadas não agradavam a todos, que elas sempre deixavam a desejar na qualidade de suas execuções e que estava sempre usando de argumentos chulos e de incoerência infundada para ludibriar todos os internos.  Era um personagem fútil perpetuado numa hierarquia militarista, antidemocrata e conservadora que lhe servia como auto afirmação maquiadora de sua asneira performática.
Pensativo e choroso, remoeu suas dores latentes por horas seguidas, sentado no chão, até que Bronu se levantou vagarosamente, ainda atordoado pelo efeito narcótico do tranquilizante que se esvaia, e sentou-se a seu lado.
- Puta que pariu, senhor.  Temos de fazer alguma coisa. – disse o energúmeno para aquele que tinha como mestre.
O diálogo e o fedor de nicotina de Bronu tirou Tarlos do ostracismo:
- O que você sugere?
- Puta que pariu!  Olha a cara dos outros.  Estão todos dormindo acordados.  Não conseguem enxergar o que nós realmente somos e queremos.  Temos logo que firmar nosso poder sobre esse grupo.  Vamos tirar todos que questionam muito.  Porra, eu crio algumas provas, acuso quem for preciso de homofobia e armo maior barraco, espalhando tudo por debaixo dos panos.  Nisso eu sou bom!
- E o que eu faço?
- Vai tomar no cu!  Tu é muito anta mesmo.  Começa enrolando eles, atrasando alguns direitos deles, se possível até corta o que der pra cortar.  Aproveita agora e faz um discurso, pra que eles pensem que estão sendo motivados.  Eles não vão nem perceber que estão sofrendo a maior baixa da história desse grupo.  Daí a gente acaba com a equipe e passa a reinar absolutamente.
Armando que não havia se recuperado da dosagem de tranquilizante, ainda estava deitado no chão.  Com os olhos semiabertos, por trás dos óculos com uma lente quebrada, babava como um boi e gemia baixinho de modo que ninguém escutava:
- Meu senhor!  Meu senhor, tá certo!  Meu senhor!...
Tarlos se empolgou com as palavras de Bronu, arregalou os olhos, encarando um ponto inexistente em sua frente com sua expressão de doido, que lhe é peculiar, e com um punho fechado erguido rebateu:
- Tem razão.  Vou acabar de vez com qualquer tentativa de democracia, expulsar quem for ameaça pra meu governo, tirar qualquer direito desses imbecis e enrolar eles realizando atividades chinfrins, dizendo que estou fazendo o meu melhor e que eles têem de me ajudar.  Vai ser fácil!
Bronu conseguiu encontrar um cigarro, todo amassado, em seu bolso, acendeu com um isqueiro surrado, deu uma longa tragada e incentivou seu ídolo:
- Puta que pariu!  Vai lá, caralho!  Mostra pros idiotas qual é a hierarquia.
Tarlos se levantou num salto, subiu numa cadeira e começou a monologar em sua eterna baixa voz:
- Pessoal, prestem atenção.  Temos de nos unir, mas pra isso preciso da ajuda de vocês.  Primeiro, vocês terão que obedecer a hierarquia e a hierarquia é a seguinte: Selvia como coordenadora nacional e eu como coordenador local, elegido por única vontade de Selvia.  Vocês terão de concordar com isso pra terem a meritocracia que eu decidirei.  Também terão de entender que vale transporte vai demorar pra sair, camiseta eu escolho quem ganha, blá, blá, blá...
Os internos começaram a olhar na direção de onde vinha o murmúrio.  Dois deles dialogaram:
- O que esse mané tá falando?
- Não sei.  Ele sempre fala tão baixo que não dá pra entender porra nenhuma.  Quando entendo, percebo que ele não diz coisa com coisa.  Mas ele ainda consegue enrolar a gente assim.
- Já percebi que ele tenta ser nosso líder.
- Pois é, o retardado pensa que lidera a gente.
- No fundo ele só quer se beneficiar com os benefícios que o pessoal do staff libera pra quem puxa saco deles.  Porque tudo que ele faz tem uma qualidade eternamente amadora.
- Pior que além de ser incompetente, ainda é ditador.
- É muito babaca mesmo.
Duas horas depois, Tarlos ainda estava impondo sua retórica para meia dúzia de enfermos, que escutavam sem entender direito o que o mequetrefe dizia.  Armando ainda deitado, agora estava com as calças sujas de fezes e em seu delírio resmungava:
- Meu senhor!  Meu coordenador!  Meu senhor!...
Uma porta se abre e o enfermeiro Rafa entra, caminhando direto para uma interna que estava sentada num sofá.  O mesmo segura ela pelo braço erguendo-a:
- Vem aqui comigo que a gente vai fumar um baseado.  Se você fizer tudo que eu quero, ainda consigo te escalar pra uma viagem.
Ambos saem por uma segunda porta que é trancada em seguida.
Bronu que percebeu a movimentação diz em voz alta:
- Puta que pariu, vai rolar onda.  Vou já arrumar um barraco pra fazer.
Alguns minutos depois aparece o enfermeiro Sid que olha ao redor e resmunga:
- Merda, cheguei tarde.  Aquele fresco já levou a novata. – e sai imediatamente.
Tarlos incansável em seu devaneio, nem repara quando adentra no recinto uma figura andrógina com cabelos encaracolados, olhos claros e um colete verde.  Era a coordenadora Selvia que havia chegado para impor todas as suas vontades sobre o grupo.  Atrás dela dois enfermeiros prontos para cumprirem qualquer ordem dada.  A moça, que mais parecia um travesti, aponta pra Tarlos e grita:
- Cala a boca, panaca!  Quem diz o que você fala ou faz sou eu.
Tarlos desceu da cadeira, calado e cabisbaixo em sua submissão.  Logo, a figura andrógina começa o seu discurso:
- Atenção, imbecis!  Eu quem mando nessa merda aqui.  Vocês são muito importantes pra mim, porque, assim como eu, são produtos pra lavagem de dinheiro.  Portanto, não interessa a merda que aquele doente mental estava falando antes, mas simplesmente obedeçam e calados.  Aquele que questionar muito será desligado.  Pra isso, basta eu usar aquele gay ali como suposta vítima de homofobia.
Bronu não se conteve e gritou eufórico:
- Puta merda!  É isso aí.  Vamos acabar com essa porra! – antes que ele continuasse, Selvia retrucou:
- Cala a boca, baitôla!  Senão eu mando cortar o teu suprimento de cigarro.
O discurso continuou por horas, sendo que o desentendimento era contínuo, havendo sempre ímpeto de euforia de um ou outro presente, prevalecendo sempre a imposição autoritária do staff.  O quadro de hierarquia era de características militares, sendo que o coleguismo e a indicação destinavam regalias e benefícios, desprezando experiência ou sapiência.  Dentre os enfermos, a grande maioria era dopada diariamente.  Cativos de uma cultura tenebrosa onde a servidão era vista como perfil a ser qualificado para cada interesse específico.  O complexo como um todo, lavava dinheiro provindo de contribuintes e pregava uma pseudo filosofia humanitária.  No fim, tudo se resumia a uma pequena unidade de ricos que mantinham-se anônimos, protegidos por uma certa quantidade de funcionários dignos do processo corruptível, sustentados por um significante aglomerado de doentes esquecidos, incapazes de enxergarem a verdade sobre o esquema e que viviam enclausurados num ciclo vicioso decadente.
Esta é uma história fictícia, mas que retrata fielmente a realidade do universo manicomial que tem de ser extinto.  Porventura, esta ficção pode ser também uma pintura barroca de centenas de organizações espalhadas pelo mundo contemporâneo neo liberal, que emprega seus sentimentos em valores moralistas e dogmáticos.