Numa tragada rápida
em seu cigarro, Bronu esperava ansioso encostado na parede, quando Armando
chegou suando dizendo:
- Onde está nosso Senhor?
Bronu responde antes mesmo da pergunta
findar-se:
- Puta que pariu! Não sei, porra!
Armando fala inquieto:
- Temos de saber qual a atividade que nosso
Senhor planejou. Tudo tem de ser muito
bem arquitetado e não podemos cometer falhas.
Nunca!
- Porra, o Senhor não comete falhas. Ele é perfeito e temos de nos acostumar com
isso – respondeu Bronu.
Nesse momento chega Tarlos com andar
tranquilo e seu olhar sereno por baixo das grandes lentes de seus óculos.
- Meu Senhor!
Graças a Deus você apareceu. Diga
em sua sapiência magnífica. Qual será
nossa ação agora? – Armando disse, louvando a chegada de Tarlos.
Tarlos como pego de surpresa, retrucou em sua
eterna voz baixa, que por muitas vezes deixa dúvidas no escutado:
- Nossa ação?
Qual será? Não sei! Vamos ver alguma coisa. Não precisa ser algo tão elaborado que exija
muito de nós. Na verdade, qualquer coisa
serve.
Armando entra em êxtase e louva Tarlos:
- Aaah!
Meu Senhor! Eu sabia que você ia
mostrar o seu talento. Só o Senhor mesmo
pra nos dar uma ação de verdade onde possamos fazer algo.
Bronu acende um cigarro novo com a ponta
ainda acesa do cigarro antigo e fala:
- Puta que pariu! E o que os outros do grupo irão falar? Não podemos deixar eles questionar nada.
- O grupo não decide nada! Não somos uma democracia e isso tem de ser
acatado. Engolido goela abaixo em
silêncio. Eu decido tudo! – exaltou Tarlos,
em forte tom de voz.
- Sim!
O grupo que se foda! Nosso Senhor
sabe de tudo e não pode ser questionado em nenhum momento. Se isso acontecer, eu defendo o meu Senhor. –
afirmou categoricamente Armando.
- Vão se foder! Eu também protejo o Senhor se alguém tentar
se manifestar, ao menos uma vez sequer. – reforçou Bronu, soltando uma baforada
de fumaça.
- Pela serventia, vocês vão ganhar camisetas
novas. Só tenho algumas dessas e elas só
irão pra quem eu indicar. Será a
meritocracia indicada por mim e ninguém mais.
Estamos em ação e isso é um sigilo nosso. – Disse Tarlos.
Em uníssono, os dois puxa saco gritam
eufóricos:
- Êêêêêêêêêêêêê!
Tarlos impondo moral cala-os:
- Silêncio!
Agora temos de partir logo pra ação e realizar a atividade de uma vez
por todas.
Confuso, Armando pergunta:
- Senhor, não vamos fazer um briefing?
Tarlos se vê como um chefe, que tem de estar
sempre propondo um cavalar calendário de atividades, missões, ações, treinamentos
etc. Tudo sem nenhum refinamento de
inteligência e sem o mínimo de planejamento estratégico. A quantidade de feitos agendados é o
principal para ele. Mostrando muito a
ser feito, passa a idéia de efetividade, mesmo sabendo inconscientemente que
nunca foi e nunca será um líder competente.
Nessa premissa, se impõe novamente:
- O briefing
é o seguinte: eu irei na frente e vocês me seguem. Se der alguma merda, Bronu dá um ataque de
nervos em minha defesa, chamando todos de insistentes, e você entra com
argumentos pífios. Mas lembrem-se de
elogiar alguns do grupo e falarem algumas coisas ruins de mim, pra que ninguém
desconfie de nossa panela. Vamos salvar
o planeta!
Armando diz:
- Que merda!
É perfeito! – Na certeza de quem tem seu Senhor como mestre, não mede
esforços para seguir aquele que tem como referência numa obediência cega e sem
fundamento de coletivismo.
Bronu re afirma dando mais um trago no
cigarro:
- Puta que pariu! Tá perfeito mesmo. Ninguém vai saber de nada, ainda mais os
novatos que não têem parâmetro nenhum e aceitam felizes qualquer coisa que a
gente colocar.
Armando insiste:
- Meu Senhor, qual material vamos usar?
Tarlos impaciente diz:
- Não precisa de material. Se alguém reclamar, basta dizer que temos de
usar apenas o que possuímos e que não podemos exigir nada de fora. Agora chega de papo furado. Vamos logo!
Os três saem em fila indiana, paralelos a uma
parede, com Tarlos em primeiro, Armando em segundo repetindo cabisbaixo:
- Meu Senhor, meu Senhor, meu Senhor...
Bronu por último fumando seu cigarro com os
olhos arregalados, visando o nada no horizonte.
Em sua magreza esquálida e suas vestes maltrapilhas, acredita que nada
deve ser questionado e tudo tem de ser cumprido fielmente como ordenado por
Tarlos.
Em alguns segundos chegam ao final da
parede. Tarlos para-os e diz em voz
baixa:
- Chegamos!
Agora vamos à atividade. Todos já
sabem o que fazer e não devem questionar nada.
Agora vamos salvar o mundo. – voltam a caminhar em fila indiana, desta
vez adentrando em outro ambiente com um muro baixo de grades altas. Com mais alguns metros de caminhada, chegam
numa guarita onde há um guarda sonolento acompanhado de dois enfermeiros. Todos sentados conversando banalidades, só
percebem o trio quando estes já tentam passar pelo portão principal.
Um dos enfermeiros se levanta na direção do
trio dando o alerta:
- Hey!
O que vocês estão fazendo aqui?
Armando pula rapidamente na frente do
enfermeiro dizendo em voz alta:
- Porra, cara! Vocês têem que ajudar a gente. Nossa missão é salvar o planeta e ninguém
poderá nos deter.
O guarda se levanta e fala ao rádio:
- Apoio, precisamos de reforço aqui na
portaria. Três internos tentando fuga.
Enquanto o segundo enfermeiro tenta parar Tarlos,
Bronu se mete entre eles soltando uma baforada de fumaça e apontando seu dedo
fedido de nicotina na cara do staff,
diz:
- Puta merda!
Esse pessoal é insistente mesmo.
Porra! Vocês não podem atrapalhar
a gente. Vocês têem que ajudar, e não
ficar atrapalhando.
Tarlos apressa o passo em direção do portão,
mas é parado pelo guarda que agarra-o pro trás dizendo:
- Calma aí, rapaz! Você não pode sair, não!
- Me solte!
Eu tenho um cargo. Obedeçam a
hierarquia e não façam nada pra me deter, porque eu sou poderoso.
Os enfermeiros agarraram os outros dois,
enquanto se aproximavam mais outros quatro enfermeiros correndo. Um dos funcionários já preparava injeções com
tranquilizantes.
- Puta que pariu! Fodeu! Vão se foder, porra! – gritou Bronu jogando
raivosamente o cigarro no chão.
Sua ira foi apaziguada por uma injeção
enfiada em seu pescoço por um dos enfermeiros.
Armando ainda tenta argumentar:
- Respeitem a hierarquia. Meu Senhor não foi eleito, mas o cargo é de
direito e ninguém tira isso dele. – mas é paralisado por uma injeção
tranquilizante.
Em poucos segundos os dois estão catatônicos
no chão. Em estado vegetativo, com os
olhos arregalados e sem dizer nenhuma palavra.
Tarlos fica atônito com o olhar voltado para o chão. Um dos enfermeiros coloca a mão em seu ombro
e diz:
- Desculpe amigo, mas você sabe como são as
normas aqui. Vocês apenas obedecem o que
impomos e não têem de ficar pensando nisso ou naquilo. Apenas faça o que orientamos e você terá
todas as regalias que você quiser. Mas
quando nós mandamos você cagar e comer, você tem de cagar e comer caladinho.
Tarlos apenas concorda calado balançando a
cabeça positivamente.
Os funcionários apanham os internos,
inclusive Tarlos, e começam a levá-los para as dependências internas.
O guarda ri falando para o único enfermeiro
que ficou a seu lado:
- Coitados!
Pensam que são livres e vivem uma ilusão, liderados por um idiota com
distúrbios de ego e que não tem noção da realidade em que se encontra.
Ambos olham para as pessoas se afastando com
a certeza de que não demorará pra que a cena volte a se repetir com pequenas
diferenças do que se sucedeu naquele momento.
Pobres mentecaptos, sonhadores em devaneios
que abundam em manicômios pela extensão do país. Vivem esquecidos ou ignorados por toda uma
sociedade. Por muitas vezes são
agredidos fisicamente, abusados sexualmente, drogados em excesso e moralmente
afetados. Sem qualidade de vida, sem
educação, sem saúde, sem saneamento e sem direito nenhum.
P. S.: Conto fictício em
homenagem ao Movimento Por um Brasil Sem
Manicômios.